Filme: O Pagamento Final

O PAGAMENTO FINAL

ENQUANTO PARTE DOS CINÉFILOS TECE ELOGIOS ESCANDALOSOS PARA SCARFACE E Missão: Impossível, um certo filme lançado em 1993 é deixado de lado quando se fala da carreira do cineasta Brian De Palma. Em O Pagamento Final (Carlito’s Way), o espectador é presenteado com uma combinação perfeita de elenco, história e linguagem cinematográfica de primeira qualidade. Para quem ainda não conhece sobre a obra, fica a sugestão de correrem atrás do longa-metragem urgentemente.

Carlito Brigante (Al Pacino) acabou de cumprir cinco anos na prisão e decidiu ser um cara do bem. Na medida do possível, claro. Ele começa a gerenciar um clube noturno para conseguir juntar um certo valor em dinheiro para poder se mudar de país e recomeçar a sua vida. Mas criminoso é que nem o hino do Flamengo: se você foi criminoso um dia, não importa a mudança no seu próprio comportamento, o crime sempre estará por perto e este é o problema na vida de Brigante, que sem querer novamente se vê no meio de tudo aquilo que o prejudicou no passado.

Pacino está incrível em O Pagamento Final, mas quem rouba a cena é um quase irreconhecível Sean Penn, com um cabelo de miojo cru horroroso. Seu personagem está pressionado depois de ameaças de mafiosos italianos e acaba entrando de cabeça no vício em cocaína. O roteiro de David Koepp não se concentra em aprofundar na questão do vício e cabe ao espectador entender o que está acontecendo e apreciar os detalhes da atuação de Penn. O advogado Kleinfeld perde o controle totalmente e se torna um verdadeiro monstro, inclusive levando risco até para o seu amigo/cliente Brigante. Outro nome que se destaca, ainda que apareça tão pouco, é o ator Viggo Mortensen, mais conhecido como Aragorn, de O Senhor dos Anéis. Até John Leguizano está bem na produção comandada pelo diretor de Carrie, A Estranha (aguarde por uma crítica do clássico no mês que vem). Ele interpreta um jovem criminoso em ascensão que é humilhado por Brigante.

O PAGAMENTO FINAL 2

Estudante de cinema, o diretor não economiza seu talento ao apresentar diversos planos sequência muito bem construídos. O meu favorito é o mais simples: a festa de Kleinfeld e sua esposa. De certa forma me lembra o clipe musical de “Immitation of Life”, do R.E.M., com toda aquela coisa de uma festa cheia, gente caindo na piscina e as pessoas caminhando pelo espaço aberto. Aprecio o momento em que a esposa do advogado dá uma dura em Brigante: “porra, por que você nunca quis me comer?”, embora aí já não seja mais um plano sequência. Preste atenção também na primeira visita de Brigante ao clube noturno, quando o espectador se torna os olhos do personagem.

Brian De Palma acerta em cheio na construção da tensão ao longo da narrativa. Como espectadores, nós somos sugados para o meio do tornado que é a vida de Brigante e ficamos sufocados à medida em que o cerco se fecha ao redor do nosso herói. Um bom exemplo é a cena da sinuca, logo no começo da história. Brigante percebe que há algo errado, e começa a se preparar para evitar sua morte, mas não a de seu parente. Sem a menor pressa, o cineasta deixa o papo mole do traficante se desenrolar, enquanto Brigante disfarça que irá ensinar o seu truque na sinuca. Absolutamente genial. Outros momentos de tensão também chamam a atenção, como no momento em que os mafiosos italianos chegam no clube para descobrir o envolvimento de Brigante num crime fatal e toda a sequência da estação de metro.

O PAGAMENTO FINAL PENNELOPE ANN MILLER

A carreira do cineasta é marcada por suas obsessões. Quando não está emulando Alfred Hitchcock, De Palma demonstra ser um dos grandes voyeurs da história do cinema. Taradinho esse rapaz. E o melhor é que o diretor sabe o que está fazendo e como excitar o espectador. A paixão de Brigante é uma bela dançarina “de arte” (Penelope Ann Miller). Depois de bancar a difícil por um tempo, Gail recebe Carlito em sua casa, mas não abre a porta para o rapaz. Ao invés disso, ela o provoca dizendo que ele precisa ser homem o suficiente para entrar (é, viva a ambiguidade). Existem homens que não conseguem levar na boa esse tipo de provocação. A libido é uma coisa meio séria para o público masculino, sabe? A câmera de De Palma mostra a bela Gail caminhando lentamente, deixando a camisola transparente cair o suficiente para que seus seios apareçam. Seria facilmente uma das cenas mais sensuais de todos os tempos, mas é arruinada depois que Brigante arromba a porta e parte para cima da mulher: uma outra característica (bem infeliz) do cinema de De Palma é a sua necessidade de ser brega. Não há nada mais broxante que colocar “You Are So Beautiful” no meio de uma promissora sequência de sexo selvagem.

O Pagamento Final é uma obra injustamente subestimada, tanto pelos fãs de Al Pacino quanto para os admiradores do cinema de Brian De Palma. Ainda que esteja bem longe de ser perfeito, afinal de contas os cuidados com continuidade nunca foram o forte do diretor, a saga de Carlito Brigante merece uma atenção especial. Indicado especialmente para quem tem um gosto especial por produções do gênero policial, o longa-metragem é garantia de entretenimento de qualidade – apesar da breguice intrínseca ao trabalho do cineasta.

Trailer:

POSTER CARLITOS WAY