Michael Mann é um diretor competente demais para aceitarmos Hacker sem admitir que é um filme menor na sua filmografia. O texto a seguir possui spoilers e deverá ser apreciado com moderação.
CHRIS HEMSWORTH PROVOU O SEU VALOR COMO ATOR EM RUSH. Bem mais que as madeixas louras e o corpo de Deus nórdico, ele também é um profissional competente que não se limita a balançar seu martelo (há) para o delírio (há) de seu público cativo. Por isso é frustrante observar que um ator com tanto potencial tenha aceitado trabalhar com um cineasta do calibre de Michael Mann justamente em Hacker (Blackhat, 2015). Que azar.
Não me entenda mal: Hacker está longe de ser ruim ou digno de pena. Bem longe mesmo. O que acontece é que depois de Mann nos entregar pérolas do cinema como Fogo Contra Fogo e Colateral, ficamos mal acostumados com produtos inferiores. Como longa-metragem de ação, Hacker não está devendo nada para outros grandes títulos da temporada, como o exagerado Velozes e Furiosos 7 e o interessante A Entrega. O seu problema está justamente em ser dirigido por Michael Mann. Nós queremos mais e sabemos que ele pode fazer melhor.
Hacker apresenta Nick (Hemsworth) é um criminoso cibernético preso numa penitenciária de segurança máxima e recebe a oferta de ser anistiado se ajudar a descobrir quem são os perigosos terroristas que se apossaram de um código desenvolvido por ele na época da faculdade e o otimizaram para causar desastres e danos na economia.
A premissa é interessante, né? Mas é tudo absurdamente previsível. Uma das duas únicas personagens femininas é introduzida apenas para servir de gancho para o desenvolvimento do roteiro. Na primeira cena em que a bela oriental vivida por Wei Tang bate os olhos no “alemão” saindo da prisão, fica claro que a) ela está querendo dar uns pegas nele (quem não quer?); b) o irmão dela vai morrer cedo ou tarde para deixar o casal ainda mais unido. Infelizmente, eu não posso usar meus talentos para prever o resultado da loteria, e sou obrigado a me contentar em fazer isso com roteiros preguiçosos. Torci o tempo inteiro para que estivesse enganado, mas não apenas acertei em cheio, como fica muito óbvio o momento em que isso ia acontecer.
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Ainda que o diretor apresente seu fetiche com um belo trabalho de fotografia e o clima documental, a principal característica do cinema de Mann presente em Hacker seria a maneira como Nick se relaciona com a tecnologia. E mesmo isso parece ter sido apresentado no piloto automático, já que o personagem parece mais um almofadinhas talentoso do que realmente um homem que se sente preso ao trabalho ou ao mundo em que vive. Em determinado momento, Nick até diz que “não enxerga mais a luz no fim do túnel”, mas é vazio. Não frio, mas vazio. Numa consequência direta da falta de envolvimento que a narrativa permite ao seu espectador. E veja bem: não vou nem criticar os efeitos especiais que tentam “recriar” o funcionamento dos computadores e da transmissão de dados.
Hacker não é uma obra indispensável nem mesmo no currículo de Chris Hemsworth, quanto mais na rica filmografia de Mann. Como um suspense policial sobre crimes virtuais, a produção peca ao não nos apresentar de fato um inimigo e mesmo ao tentar nos convencer que o perigo está além de nosso alcance, nas informações transferidas pela rede mundial dos computadores. O roteiro até ousa ter a indecência de introduzir um protótipo de vilão, mas é apenas um detalhe a mais para incomodar os cinéfilos mais calejados ao mesmo tempo que consegue deixar os fãs do gênero de ação entusiasmados por terem alguém para torcer contra.