AO LADO DE TOURO INDOMÁVEL, OS INFILTRADOS, ILHA DO MEDO e TAXI DRIVER, Os Bons Companheiros (Goodfellas) é um dos meus filmes prediletos do diretor Martin Scorsese. Verdadeiro mestre da história do cinema norte-americano, o cineasta desde pequeno teve proximidade com o mundo dos mafiosos italianos que moravam em Nova York e isso se tornou uma de suas marcas registradas, o que apenas reforça a qualidade do longa-metragem e a sua importância no sub-gênero “filmes máfia”, sendo tão indispensável quanto Os Intocáveis, de Brian De Palma, ou O Poderoso Chefão, de Francis Ford Coppola, por exemplo.
Baseado numa história real, o roteiro acompanha um jovem que, impressionado com a vida dos mafiosos do bairro, cresce trabalhando para o “poderoso chefão” das redondezas. Ao lado Tommy (Joe Pesci) e Jimmy (Robert De Niro), Henry (Ray Liotta) se torna uma pessoa importante, pode ir para os lugares sem encarar fila, não precisa se preocupar com nada. Tudo isso por causa de uma coisa chamada respeito, muito usada no meio dos mafiosos e de quem os conhece (e fica se cagando de medo de acordar ao lado de uma droga de cavalo morto). O grande lance é que, ao contrário de seus amigos, Henry não é uma pessoa do mal. Embora esteja bem longe de ser considerado santo, ele tem seus valores e não aprova a violência excessiva dos companheiros, especialmente Tommy. Mas a sua ganância fala sempre mais alto e ele acaba se envolvendo em tantos problemas que descobre que ninguém é 100% confiável.
Os Bons Companheiros é sobre como as pessoas se transformam quando existe um interesse maior envolvido. Henry é ganancioso, observador e inteligente demais para o seu próprio mal. Decidido a ter uma vida luxuosa, os riscos de ser preso se tornaram aceitáveis. Foi com esse estilo de vida que se casou com Karen e teve duas meninas. Com o passar do tempo, a polícia fechou o cerco em cima dos mafiosos e todos acabaram presos. Com a possibilidade da mamata acabar, e mesmo depois de ser advertido pelo chefão Paulie, Henry insiste em continuar contrabandeando drogas, o que mostra uma clara situação de ascensão e queda de um homem. Percebendo que os mafiosos são desprovidos de sensibilidade, e sentindo a corda apertando no próprio pescoço, Henry é obrigado a aceitar que todo o luxo precisa chegar ao fim um dia, se isso for o necessário para sobreviver.
Durante o curso de Teoria e Linguagem Crítica de Cinema, do Pablo Villaça, assistimos a uma demonstração perfeita de como apresentar bem um personagem. Durante um jantar, Joe Pesci está contando piadas e fazendo todos rirem até que Ray Liotta diz que o acha engraçado. O clima fica fechado, como se Pesci tivesse tomado aquilo como uma ofensa pessoal e todos os homens presentes ficam tensos, com medo do que poderá acontecer. Momentos depois, um garçom chega no personagem de Pesci para entregar a conta. Reparem na expressão de ansiedade no rosto de Liotta, que de maneira sádica e covarde, se prepara para assistir ao amigo agredindo o pobre coitado do garçom. Para todos os interessados em estudar e entender mais de cinema, não há exemplo melhor de apresentação de personagens.
Aliás, vamos combinar. O elenco dá um verdadeiro show de interpretação. Quando ninguém podia esperar ver Robert De Niro superando o que fez em Touro Indomável ou O Poderoso Chefão 2, lá está ele mostrando que possui muito mais para mostrar para o público. De maneira convincente, ele interpreta um gangster frio e elegante, mesmo quando suja as mangas da camisa. Ray Liotta não é lá um ator muito sensacional, mas consegue atender as necessidades de seu personagem interesseiro e pretensioso. Quem realmente rouba a cena é o nanico enfezado Joe Pesci. Para quem o conheceu em Esqueceram de Mim ou na franquia Máquina Mortífera é um verdadeiro choque perceber que ele consegue realmente dar medo e deixar o espectador com medo de suas ações. Detalhe para uma participação breve de um projeto de Samuel L. Jackson, com direito inclusive a andar de cuequinha mostrando as suas perninhas magrelas.
O final, ao som de uma versão punk de “My Way” (cantada pelo Sid Vicious, ex-baixista do Sex Pistols) é a cereja do bolo e coroa a obra-prima de Martin Scorsese. Inclusive, com uma cena do personagem de Joe Pesci apontando a arma para o espectador e disparando. Perfeito. Já que mencionamos a trilha sonora, “Sunshine of Your Love”, do Cream; e “Gimme Shelter”, dos Rolling Stones; são ouvidos em momentos importantes da trama. Os fãs de Scorsese já estão acostumados a ouvir boas músicas na trilha sonora, afinal de contas o cineasta é um grande admirador do rock e dirigiu/produziu vários documentários sobre nomes importantes do meio, como Bob Dylan e os próprios Stones, por exemplo. Aliás, “Gimme Shelter” já se tornou até uma assinatura do diretor, já que a faixa apareceu em outros trabalhos, como Os Infiltrados.
Se você é daquele tipo de pessoa que não se importa muito com o mundo da máfia, mas faz questão de assistir a tudo que for “indispensável”, Os Bons Companheiros não pode faltar na sua lista. Já se for o caso de, além de não gostar de filmes de máfia, e nem produções com mais de uma hora e meia, corre o risco de você achar a trama um porre (assim como eu acho Cassino entediante). No mais, para os cinéfilos de plantão que ainda não descobriram a mágica de Martin Scorsese, não há um exemplo melhor: Deixe Taxi Driver para os coxinhas. Os Bons Companheiros que é O filme para se entender o cineasta.
ps: estava brincando quando falei para ignorar Taxi Driver, hein?
Nota:[cinco]