O Cinema de Buteco adverte: o texto a seguir possui spoilers e deve ser apreciado com moderação
NA EXCELENTE PREQUEL O PLANETA DOS MACACOS: A ORIGEM, o público foi apresentado para o macaco Caesar (Andy Serkis) e descobriu como foi que tudo começou. Com o sucesso, não tardou para o estúdio anunciar mais dois filmes para compor uma trilogia épica mostrando essa disputa por território entre homens e macacos. Méritos para James Franco e Rupert Wyatt, protagonista e diretor, respectivamente, do filme lançado em 2011. Nenhum dos dois retornou para O Planeta dos Macacos: O Confronto, que acabou no colo do competente Matt Reeves (Cloverfield).
A primeira coisa a ser dita é que são filmes bem diferentes. Enquanto A Origem se preocupava em realmente mostrar como tudo começou (dãã), O Confronto tenta demonstrar amadurecimento focando na sociedade estabelecida por Caesar e os outros macacos. Se passaram 10 anos desde o primeiro filme e um vírus dizimou grande parte da população, o que apenas aumentou o ódio dos humanos sobreviventes pelos macacos. Durante boa parte do primeiro ato, o espectador se sentirá assistindo a um documentário do Discovery Channel sobre a vida dos macacos na selva. E isso é muito curioso, afinal estamos falando de um blockbuster. Mérito para os produtores por sua coragem e também pelo deleite visual com os efeitos especiais sensacionais que criam nossos personagens. Se existe algo para ser elogiado no filme, sem dúvida são os efeitos visuais muito evoluídos em relação aos contestados efeitos da obra anterior.
Os humanos, liderados aqui por Jason Clarke (A Hora Mais Escura), são deixados completamente de lado. Atuam como caricaturas, como no caso do personagem de Gary Oldman. Acredito que não tenha existido nenhuma intenção do roteiro didático do trio Mark Bomback (Wolverine: Imortal), Rick Jaff e Amanda Silver (os dois últimos estão por trás do roteiro de Planeta dos Macacos: A Origem) em desviar a atenção dos verdadeiros protagonistas e fortalecer o lado humano da produção. Teria sido um ponto positivo, se esses personagens não fossem estúpidos. E acredite, eles são. Deve ser para dar mais vergonha ainda de sermos humanos, né?
O grande lance aqui é prestar atenção nos macacos. Já faz tempo que as atuações de Andy Serkis (mais conhecido como o Gollum, da trilogia O Senhor dos Anéis) merecem um reconhecimento da Academia. Desta vez, o ator consegue ir além. Caesar é um dos personagens mais incríveis do cinema em 2014, um verdadeiro herói, e mesmo que tenha a voz de fumante que ouvimos na trilogia O Cavaleiro das Trevas, é muito original. A grande surpresa é que ele não é o único que chama a atenção. O violento macaco Koba (Toby Kebbell, que será o Doctor Doom no próximo filme do Quarteto Fantástico) ganha destaque como um coadjuvante que se torna fundamental para o desenvolvimento do roteiro. Em uma das primeiras cenas que mostram o encontro dos humanos com os macacos, já dá para o espectador imaginar o quanto ele é ameaçador: a câmera foca no rosto do macaco, mas seus olhos são apenas duas bolas escuras e na linguagem cinematográfica isso tende a caracterizar os vilões.
Koba articula uma “revolução” pessoal depois de ser contrariado por Caesar. A partir deste ponto, o personagem ganha contornos cada vez mais profundos (anteriormente, ele já havia protagonizado um curioso momento de “humor” diante de dois humanos armados. Enquanto somos levados a rir pelo macaco assumir um comportamento típico do que se espera de um macaco, ao mesmo tempo pensamos no quanto aquela criatura é inteligente, manipuladora e perigosa) até se abraçar o seu papel de vilão na obra. Existe até uma certa referência ao clássico O Rei Leão, quando Koba tenta manipular o filho de Caesar para que este fique contra as opções do pai em ajudar os humanos. Toda a crueldade de Koba é explicada (de maneira inteligente, ainda que esteja lá só para quem não viu o filme anterior entender) e o espectador se sente na dúvida sobre como se sentir a respeito disso. Será que toda a raiva não é digna? Ou o melhor é aceitar que existem humanos e humanos, assim como existem macacos e macacos – que aliás é a grande mensagem moral do longa-metragem: toda sociedade é imperfeita.
Existem várias metáforas presentes ao longo do filme. Uma delas, inclusive, pode ser aplicada para o atual cenário político do país nas vésperas da eleição presidencial. Em cima das quedas da presidente Dilma Rousseff nas pesquisas, muitos “aliados” começam a ficar em cima do muro e deixando as siglas divididas. Após ser traído por seu amigo, Caesar diz que os macacos preferem ficar em galhos mais firmes. Ou seja, exatamente como nossos amigos de determinados partidos, como o PMDB, por exemplo.
O Planeta dos Macacos: O Confronto é um bom filme, sem dúvida. Ele levanta discussões pertinentes sobre a condição humana, os nossos preconceitos e dificuldades sociais. Isso não é o suficiente para sustentar toda a obra, que peca no roteiro previsível e seus diálogos pouco inspirados. Se não fosse pelo carisma de Caesar, a continuação correria o risco de entrar na lista de decepções. Felizmente, os poucos defeitos são incapazes de estragar a diversão garantida proporcionada pela obra de Matt Reeves.