NÃO SEI SE SOU ATEIA, SEI QUE NÃO ACREDITO EM DEUS. Já fui católica praticante e quem me vê não acredita. Digo isso porque quero que entendam a dificuldade que tive em depositar confiança num filme contado pelo olhar de uma freira. Como não acreditar em Deus e mesmo assim não ter um olhar clínico sobre o assunto?
Irmã Helen Prejean (Susan Sarandon) é uma freira que vive no estado de Louisiana (leia-se: estado tradicionalíssimo americano), num bairro pobre de negros, ajudando a comunidade na organização em que trabalha. Um dia recebe uma carta de Matthew Poncelet (Sean Penn), detento no corredor da morte que pede ajuda para conseguir um advogado para sua apelação – ele foi condenado por matar dois jovens e ainda estuprar um deles. Poncelet afirma não ter matado ninguém, diz que só presenciou. Está perdido e desesperado; é racista e nazista. Admira Hitler e tem uma suástica tatuada no braço. É odiado pela sociedade pelo crime que cometeu. Mas é uma pessoa má?
Prejean é uma freira com a cabeça aberta: a Bíblia condena os homossexuais, mas ela não concorda com isso. É de família rica e tradicional. Encontrou vocação na Igreja e abdicou-se da boa vida em prol dos necessitados. É uma mulher generosa e simples, e um tanto quanto ingênua. Mas será que é tão ingênua assim?
Tim Robbins é ator famoso (Um Sonho de Liberdade, Sobre Meninos e Lobos, O Jogador). Este filme é o seu segundo, e ele dirige e escreve o roteiro. É esperto e se crê em Deus ou não, eu não sei dizer. Após assistir Os Últimos Passos de Um Homem, posso afirmar que ele prestou grande serviço à obra que inspirou o filme, intitulada “Dead Man Walking”. Mais ainda, fidelizou o espírito e o pensamento da verdadeira Prejean, que escreveu o livro baseando-se em suas próprias experiências. Não é necessariamente bom atrás das câmeras. Não soube fazer um conjunto harmonioso e o achei piegas em vários momentos. Vários closes são forçados, alguns diálogos são mal escritos e existem muitos assuntos controversos discutidos na mesma mesa, todos de uma vez. Religião, política, direito à vida e à morte, pobreza, o absurdo da vida atrás das grades, acusado e vítima… É definitivamente um filme feito com o intuito de ganhar Oscars: drama sobre relações humanas difíceis que trata assuntos de relevância social. Era exatamente a isca que o peixe-Oscar adora morder. Levou o prêmio de Melhor Atriz, só que o problema é que esta obra quer ser muito mais do que é e não consegue atingir seu objetivo plenamente.
Contudo, não é um filme ruim porque as coisas boas são boas demais. Eu já estava começando a ficar irritada com a moral americana do filme e de repente as cenas começaram a virar conversas realmente reflexivas. Não acho que estrago ao dizer que Poncelet não consegue atenuar sua pena (o título diz tudo). Este filme não quer tratar de justiças ou injustiças feitas, não quer mentir e dizer que o cara vai ser salvo no final, não quer simplesmente mostrar uma série de imagens. Quer aguçar os seus sentidos. Não quer responder, mas sim “encucar”. “O que é certo e errado? Devo amar a todos igualmente porque assim minha religião manda ou devo assumir que sou um ser humano e defender o que a sociedade – produto do pensamento do Homem – toma como certo? Há perdão/redenção para o homem/pecador? Sociedade e religião são um paradoxo?”
Todas essas perguntas borbulham à nossa frente mais parecendo uma valsa bem dançada graças à ideia de gênio de juntar Susan Sarandon e Sean Penn. Os dois atores conseguem fazer a atuação parecer um simples reflexo do corpo, algo impensado e genuíno. São os pequenos detalhes – o tremor convulsivo de Penn causado pelo pavor da morte; o choro de Sarandon, entremeado por espasmos nervosos e soluços – que fazem de todos os erros desimportantes. Tudo vale a pena quando assistimos Prejean trilhar o tortuoso caminho para desvendar Porcelet e, por consequência, a verdade. São pancadas no estômago, cenas pesadas, mas a crueza é necessária. Sem clemência, ainda bem.
Alguns sabem como e quando vão morrer; esta é a verdade de um condenado à morte. Religião pode ser um entorpecente mas aqui é mais uma válvula de escape. A solidão humana é triste e o filme é um daqueles momentos na vida em que lembramos disso e ficamos agoniados pela cruel realidade. Foi a primeira vez que achei que não há nada demais em encontrar conforto e escapismo na sina de um pobre coitado. E daí se você não é uma autoridade religiosa? E daí se você tem religião diferente? E daí se você não acredita em nada? O que importa é pensar e decidir.
Título original: Dead Man Walking
Direção: Tim Robbins
Produção: Jon Kilik, Tim Robbins e Rudd Simmons
Roteiro: Tim Robbins
Elenco: Susan Sarandon, Sean Penn, Robert Prosky, Raymond J. Barry, R. Lee Ermey, Celia Weston, Roberta Maxwell e Margo Martindale
Lançamento: 1996
Nota: