A GERAÇÃO MARVEL DESCOBRIU MARTIN SCORSESE e o transformou num vilão da vida real. A geração Netflix, que até 2018, não sabia quem era Sandra Bullock, descobriu o trabalho mais recente de uma das lendas vivas de Hollywood e reclamou das 3h30 de duração. Logo essas pessoas que gostam de maratonar, ou fazer o binge watching, suas séries de qualidade duvidosa. É nesse cenário que O Irlandês (The Irishman, 2019) estreia na Netflix para o deleite de seus fãs.
O Irlandês é baseado numa história real e um daqueles tradicionais projetos dos sonhos de Scorsese. Foram anos de gestação até que a obra ficasse pronta do jeitinho que o diretor queria. Nós, como apaixonados pela sétima arte, só temos a agradecer pelo cineasta conseguir reunir num só filme Harvey Keitel (ainda que numa participação discreta), Joe Pesci, Al Pacino e Robert de Niro.
Muita gente afirma que Joe Pesci é um ator medíocre que não fez nada na carreira fora seus trabalhos com Scorsese ou sua presença nas franquias Esqueceram de Mim e Máquina Mortífera. Bem, eu não sei o que dizer para vocês, mas se não conseguirem apreciar as sutilezas com que o ator se entrega em O Irlandês, que pena! Ao contrário do seu trabalho em Os Bons Companheiros ou Cassino, em que interpretava tipos histéricos e sedentos por sangue, Pesci demonstra uma calma assustadora em cena como um dos mafiosos mais poderosos do pedaço. É óbvio que a nossa lembrança de seus trabalhos mais icônicos ajuda a criar esse clima de tensão constante, em que o tempo inteiro esperamos por uma reação violenta que nunca vem, mas seu Russel Bufalino é uma bela forma de se despedir do cinema.
Já Pacino, que desde 2002 (com Insônia, de Chris Nolan) vem visitando o fundo do poço e se tornando aquele tipo de ator que ligou o foda-se para seu legado para prezar por cheques gordos na conta bancária, mostra que ainda é um dos melhores profissionais da história do cinema (aceite Daniel Day-Lewis!). Interpretando Jimmy Hoffa, Pacino convence com seus discursos e nos faz arrepiar com sua inconfundível voz rasgada. Inclusive, acredito que o maior pecado que um amante de cinema pode cometer é ver seus trabalhos dublados. Não dá, bicho. Não dá!
Para completar a fila, Robert De Niro, que assim como seu companheiro Pacino, também criou o péssimo hábito de estrelar obras horrorosas para pagar suas contas, faz aquele que pode ser considerado como um dos seus melhores trabalhos da carreira. Frank Sheeran é um cara amigável, que não hesita em puxar o gatilho – independente de quem esteja na sua frente. Como um veterano da Guerra, Frank é um soldado irlandês preparado para qualquer coisa para atender seu “padrinho” Russel.
Todos os atores passaram por um processo de rejuvenescimento que deixou a produção um tanto fora do seu orçamento inicial. O resultado é surpreendente e em momento algum ficamos desconfortáveis com os efeitos visuais. Scorsese até poderia ter usado outros atores, mas sua decisão de confiar no seu elenco veterano é o que faz o sucesso de O Irlandês.
Como a narrativa acontece em três tempos diferentes (quando Frank Sheeran já velho conta toda a sua história para o espectador; durante uma viagem ao redor dos EUA na companhia de Russel e suas respectivas esposas; e durante o começo da sua carreira pós-guerra como um motorista), é fundamental ter esses atores ali. Aliás, é essencial também que se dedique um tempo para ver o filme sem interrupções.
O Irlandês é um clássico instantâneo. Mais que uma homenagem aos velhos filmes de gangsters por quais esses atores fizeram fama, é um presente para os cinéfilos. Uma chance única de ver em ação os principais atores de um tipo de cinema que parece ter ficado apenas nas nossas melhores lembranças. Presença obrigatória em qualquer lista de melhores filmes de 2019 – inclusive a nossa, óbvio.
ps: Aprendi a gostar de Scorsese com o meu avô, e tenho a absoluta certeza que, onde quer que ele esteja nesse momento, ficou orgulhoso de ver esse reencontro dos seus atores favoritos atuando sob o olhar do seu diretor favorito no seu assunto mais querido.
ASSISTA A TRANSMISSÃO AO VIVO COM A CRÍTICA DE O IRLANDÊS NO PROJETO 365 FILMES EM UM ANO: