O Homem da Máfia


“CRY WOLF ONCE” E NINGUÉM SE IMPORTARÁ QUANDO ELE SUAVEMENTE TE MATAR.

“There’s a man going around taking names and he decides who to free and who to blame”. É sob a profética balada de Johnny Cash que sentimos o tom de Killing Them Softly. Sabemos que desse crime ninguém sairá impune, e cada um terá o julgamento que lhe for reservado. Em contra-partida ao discurso de Obama sobre o livre arbítrio, logo no início do filme, Jackie vem para provar que as coisas não são tão simples assim, e que tudo o que fizer aqui, aqui lhe será cobrado “When the Man comes around”.

A tradução do título para o português nem de longe reflete a imensa poética inserida no filme. Após assistir duas vezes, me encontro perdido em uma enxurrada de referências, imersas em uma estonteante estética que lhe afeta com todos os tipos de reações que você possa imaginar. O filme brinca com referências, joga com conceitos, o tempo todo dialoga com a realidade política e econômica do pais, fazendo de um roteiro extremamente simples uma brilhante história repleta de detalhes desgustativos. Para mim, isso é fazer cinema.

A história possui uma premissa bem crua: todos nós nos achamos espertos, até que um dia encontramos alguém mais ainda, ou nos aliamos a alguém estúpido.  Mickey contrata dois caras para assaltarem um jogo de carteado, o qual Trattman, organizador das partidas, já havia assaltado no passado, e que deveria receber a culpa por todo o crime. Executada a tarefa, o próximo passo lógico serão as consequências do mesmo, no que aparece o personagem de Brad Pitt, destinado a dar a cada um o seu devido castigo.

Ao contrário de muitos, cheguei cru para assistir o longa. Tenho uma grande falha na minha filmografia quando se trata de Andrew Dominik e John Paul Horstmann, e, apesar de ter muita vontade, nunca parei para assistir “O Assassinato de Jesse James”. E qual não foi minha surpresa quando me deparei com essa câmera que mais parecia um Aronofsky desfocado e a excepcional edição do filme… Nas cenas de slow motion, tudo o que eu conseguia fazer era ficar boquiaberto, não exprimia nenhuma outra reação.

Apesar da simples proposta, é o contexto em que a obra é inserida que dá toda a emoção. Primeiro, o filme dialoga o tempo todo com a crise da recessão americana, no fim do governo Bush, e brinca com as promessas de campanha de McCain e Obama, dizendo exatamente que não adianta sonhar com uma vida melhor e achar que todos os americanos são iguais, como Jackie diz: “America is not a country, it’s just a business”. É como se em território americano fosse cada um por si, e cada um paga pelos seus atos, seja em dinheiro ou com a própria vida.

Outra fábula sobre a qual o filme discorre muito bem em segundo plano é a do menino que gritava “Lobo”. Todos já sabiam que se acontecesse um assalto nos carteados de novo, a culpa recairia toda sobre Trattman, e que não importaria quem fosse o responsável –  era o sangue dele que todos queriam ver derramado. Porém, o mais bacana de tudo é o link que o filme faz entre sua realidade e a época em que se insere, descrevendo detalhadamente como que o assalto afetou os carteados, que foram fechados, gerando todo o colapso da economia local; e como que com a revitalização dos mesmos, novas páginas foram escritas, e por isso a sede de justiça quando o fato ocorreu novamente.

Vemos um filme grande em seu conceito e muito sombrio em sua execução. Repleto de “quotes” e estilismos que dificilmente o deixaram cair em seu esquecimento, o longa de Dominik é extremamente poético e anestesiante. Com uma proposta muito clara, o filme parece preferir não ir direto ao ponto. Ao contrário: dá a chance de o espectador apreciar a história e ser afetado aos poucos. Afinal, que graça tem derrubar alguém com apenas um tiro quando toda a graça está em Killing Them Softly?

Nota:[quatro]