O Grande Herói

 

Grande-Heroi

O PRINCIPAL RISCO CORRIDO NA ESTRUTURA DESTE SUCESSO incontestável de público – um sucesso fácil de ser previsto, em território norte-americano – é aquele de, numa de suas primeiras cenas, expor rapidamente uma sequência silenciosa onde observamos o salvamento de Marcus Luttrell (Mark Wahlberg, de Dose Dupla), que, depois, viríamos a descobrir ser o soldado protagonista da operação predecessora a este resgate. A opção por revelar o desfecho do personagem não era das mais recomendáveis à produção, visto o prejuízo ocasionado pela mesma com relação ao envolvimento do público na trama, mas é admirável observar como O Grande Herói consegue, na maior parte do tempo, contornar este risco e deixar seu espectador completamente envolvido com os verdadeiros riscos: aqueles corridos pelos personagens.

Proposto a narrar a Operação Red Wings, realmente acontecida e retratada num livro – o qual não li – escrito pelo próprio Luttrell, onde quatro soldados arriscam-se a instalar-se num perigoso território do Afeganistão em busca de um perigoso suspeito de terrorismo, representante do Talibã e homem de confiança de Osama Bin Laden. Os quatro acabam acidentalmente sendo localizados pelos talibãs e, então, passam a ser caçados por um exército com cerca de 250 homens fortemente armados. Sem contar com comunicação, condições dignas de sobrevivência e auxílio medicinal ou militar externo, os soldados passarão por uma intensa prova de sobrevivência, garra, patriotismo e coragem para conseguirem sair vitoriosos – o que, neste caso, significa apenas sobreviver – contra ameaças tão grandes. Uma jornada deveras admirável, vivida por Mike Murphy (Taylor Kitsch, de John Carter – Entre Dois Mundos), Danny Dietz (Emile Hirsch, de Killer Joe – Matador de Aluguel), Matt “Axe” Axelson (Ben Foster, de Contrabando) e o já citado Marcus.

Grande-Heroi-2

Acertadamente, o longa opta por não apenas construir os soldados retratados como robôs-patriotas cumpridores das tarefas de guerra, e sim humanizá-los. A sensibilidade aplicada na construção – simples, é verdade, mas certeira – de cada um de seus protagonistas e, sobretudo, na camaradagem tecida entre eles, é algo extremamente eficiente para envolver-nos à trama não apenas pela adrenalina da ação militar, e sim, sobretudo, pela ameaça provocada àqueles personagens, desde então importantes e ocasionadores do sentimento para o espectador. Os diálogos trocados entre o quarteto, fugindo da burocracia da linguagem militar e reveladores de vulnerabilidade e nervosismo provocados pelos riscos corridos, bem como outros reveladores da verdadeira raiva provocada ao ver algum de seus parceiros sendo feridos, distanciam-os do estereótipo das máquinas de guerra e os aproximam dos humanos que realmente são – homens que arriscam suas próprias vidas por seu trabalho, incentivados por um duro treinamento e por um patriotismo fabricado, cuja função é defender sua pátria ou, neste caso, uma instituição organizadora de operações militares com fins políticos e de conquistas territoriais (no muito bem disfarçado sistema imperialista do governo e forças armadas norte-americanos). Considerando este ponto, a humanização dos soldados é mais do que necessária, uma vez que sua jornada de necessidade de sobrevivência é digna e merece ser bem vista, e ainda que, muitas vezes, estes cometam uma série de crueldades, devemos lembrar por quem eles estão sendo mandados para realizar as tais. Aquela que deve ser criticada, na verdade, é esta dita instituição.

Neste quesito, então, a abordagem do diretor Peter Berg (de Battleship – Batalha dos Mares) falha ao, numa sequência inicial, utilizando imagens reais, gastar sem necessidade alguns preciosos minutos de sua projeção para exibir o treinamento militar norte-americano numa clara glorificação ao mesmo, sem mencionar, ainda, alguns outros diálogos que, numa contraposição ao ponto mencionado no parágrafo anterior, exaltam o patriotismo dos soldados norte-americanos e jamais procuram aprofundar-se na visão dos talibãs, apoiando-os apenas no estereótipo da crueldade. Por sorte, estes são os poucos erros cometidos pelo diretor que, correndo o risco de chover no molhado, ressalto não parecer em nada o mesmo cineasta responsável por realizar o medíocre O Reino, e por cometer as atrocidades que atendem por Bem-Vindo à Selva e Battleship – Batalha dos Mares. Quando observamos o nome de Berg no comando de uma produção como esta, poderíamos facilmente esperar um filme de guerra cujos soldados são máquinas-indestrutíveis-patriotas-militares (as características só aumentam), e em que cada enfrentamento de tropas geraria uma grande explosão seguida por frases de efeito vergonhosas, mas no lugar das previsões, temos a apresentação de um drama militar maduro, forte, sólido, envolvente e extremamente real. Certos traços do patriotismo de outras produções do realizador ainda estão aí, embora eu passe a crer que estas estejam mais ligadas ao comando do estúdio por interesses mercadológicos, do que com um traço do diretor.

Grande-Heroi-3

Com seus quatro protagonistas bem estabelecidos e hábeis no envolvimento do espectador com seus riscos, resta partir para o confronto militar, afinal de contas. Aqui, o diretor tem a oportunidade de expor suas verdadeiras habilidades na condução de sequências de ação – ainda que empregue um ou outro travelling circular sem necessidade, mesmo na narração de simples diálogos, numa improvável influência de Louis Leterrier (!) -, construindo-as de forma crua, forte e extremamente condizente com a crueldade presenciada em conflitos como este.  As movimentações apressadas em direção à ação são dispensadas, o terreno é cautelosamente preparado e situa o espectador à ambientação desejada, na retratação de todo o período de observação dos soldados, aumentando a tensão para o confronto propriamente dito. Também há de se mencionar, para esta construção, a apropriação de uma fotografia quente à ponto sufocante, de modo a expor a dificuldade de sobrevivência no local e a seca atmosfera militar. A exposição das consequências vividas pelos soldados, de modo a humanizá-los ainda mais e aplicar verossimilhança à trama, são o grande destaque. Duas cenas, especialmente, em longas tomadas onde o quarteto sofre uma duríssima queda de uma das montanhas locais, evidenciada pelo primoroso trabalho de som – merecia ter vencido o Oscar! – da produção, responsável por nos fazer sentir cada objeto que colide com os personagens e tornar a sequência uma experiência agonizante. A presença do sangue e do sofrimento cru de cada um dos soldados sensibiliza até o mais frio dos espectadores, sendo justificada em todos os momentos para tornar a experiência da obra mais verossímil e envolvente, distanciando-a de outro fator que poderia condenar seu patriotismo, ao jamais romantizar o cenário da guerra.

Seja na construção segura de Taylor Kitsch, capaz de justificar a imponência de seu tenente sobre os outros colegas, nos olhares esperançosos empregados pelos ótimos Emile Hirsch e Ben Foster, e mesmo na composição sensível de Mark Wahlberg que, enquanto astro incontestável de ação, distancia-se de criar um protótipo de super-herói, construindo um homem real e vulnerável, ainda que com a coragem e necessidade de sobrevivência em primeiro lugar. A formação do elenco torna mesmo os discursos mais expositivos das mortes de seus personagens algo comovente, provando que não havia sequer a necessidade do recurso – cada vez mais frequente em produções adaptadas de fatos – de reforçar mais uma vez a veracidade de sua história nos créditos finais para levar o espectador à comoção – mas, se for para fazer isto, que siga o exemplo de O Grande Herói, e o faça ao som de “We Can Be Heroes”.

85

Título original: Lone Survivor
Direção: Peter Berg
Gênero: Guerra, ação
Roteiro: Peter Berg, baseado no livro de Marcus Luttrell e Patrick Robinson
Elenco: Mark Wahlberg, Ben Foster, Taylor Kitsch, Emile Hirsch, Eric Bana
Lançamento: 21 de Março de 2014, nos cinemas
Nota:[tresemeia]