Misturar o debate ciência e religião sempre resulta em filmes interessantes. De um lado a fé inabalável joga a âncora no fundo de uma infinita maré de “verdades” e crenças. Do outro, a ciência cada vez mais moderna e ousada, que questiona tudo e busca fatos que comprovem a verdade. Para o espectador, resta apenas pensar se filmes como O Abrigo podem fornecer material o suficiente para causar uma boa reflexão ou servem apenas como apenas mais uma tentativa de cinema inteligente. Infelizmente, na minha opinião, eu acredito que o longa metragem estrelado por Julianne Moore e Jonathan Rhys-Meyers se enquadra direitinho na segunda categoria.
Não por acaso (já explico o motivo) o roteiro do filme aborda a vida de uma psicóloga (Moore) que descobre um paciente que supostamente sofre do distúrbio de múltiplas personalidades (Rhys-Meyers). Disposta a provar que o distúrbio é uma ilusão criada pelos pacientes, a doutora acaba descobrindo que o seu paciente esconde muito mais do que mostra e isso a faz questionar tudo que sabe e aprendeu sobre a ciência e religião.
O problema aqui é que essa mistura de temas ficou perdida e mal explorada. O Abrigo tem um começo brilhante e que se mantivesse no mesmo ritmo, provavelmente viraria um dos meus filmes de terror favoritos. Mas a história se transforma de repente e passamos a nos ver envolvidos com questionamentos religiosos e sua eterna discussão com a ciência. Talvez se o roteiro de Michael Cooney conseguisse manter o nível de qualidade e criatividade do começo ao fim, a minha opinião pudesse ser mais favorável. Quando falei que o tema de múltiplas personalidades não foi usado por acaso, é por conta dos antecedentes do roteirista. Alguns anos atrás ele escreveu um certo filme estrelado por John Cusack, Amanda Peet, Alfred Molina e Ray Liotta, cujo o tema era justamente sobre a múltipla personalidade. Identidade foi um grande filme, desde os atores bem inspirados até o suspense de tirar o fôlego. O desfecho acabou sendo clichê e o mesmo se repete em O Abrigo. Não sei quanto a vocês, mas eu não suporto mais esses finais redondinhos e que deixam tudo (quase) do mesmo jeito que estava.
O Abrigo é uma boa diversão e um excelente filme na sua primeira metade. Julianne Moore e Jonathan Rhys-Meyers funcionam bem juntos, com destaque para as sequências em que o ator “troca” de personalidade de um sujeito arredio e agressivo para um paraplégico religioso. Rhys-Meyers pode não ter feito nenhum filme que mostrasse todo seu potencial, mas eu aposto que isso não vai demorar para acontecer. Enquanto isso, O Abrigo é uma chance de conferir o cara em ação e de quebra poder refletir um pouquinho sobre psicologia e, claro, religião.
São três caipirinhas no Buteco.