New York, New York

por Leonardo Lopes

New York New York

NAS POUCAS INFORMAÇÕES QUE EU TINHA SOBRE NEW YORK, NEW YORK, pensava seriamente que se tratava de um musical, e espantava-me pensar em como seria ver Martin Scorsese dirigindo um filme do gênero. Após assisti-lo, não sei ao certo se a obra pode ser classificada desta forma; há, sim, alguns momentos musicais, mas durante a maior parte do tempo, não há qualquer intervenção de canções – um alívio, considerando toda a situação.

Na primeira sequência do longa, temos Jimmy Doyle (Robert De Niro, em mais uma parceria com o diretor), percorrendo uma festa utilizando todo tipo de cantada para conquistar alguma garota que lá esteja, sem sucesso. Até que ele avista Francine Evans (Liza Minnelli), mas esta também recusa as tentativas do cara. Mas ele não desiste de sua escolhida, persistindo na criação de diferentes personagens para tentar conquistá-la, mesmo que ela já saiba o quão enganador ele é. Estes primeiros minutos, além de divertidos, ainda oferecem ao espectador uma eficiente apresentação inicial da personalidade de Jimmy.

Ele acaba por não alcançar seu objetivo inicialmente, mas depois, através de uma coincidência – e mais uma picaretagem -, o reencontro com Francine acontece, e os dois acabam ficando juntos após uma audição pela qual Jimmy passa, Francine tenta ajudá-lo cantando, e ambos acabam surpreendidos com o talento da moça. A partir deste momento, o roteiro, escrito por Earl Mac Rauch e Mardik Martin, se concentra em acompanhar os altos e baixos da carreira musical e da vida pessoal do casal, passando por crises em decorrência de conviverem no trabalho e na vida amorosa, ainda mais por um contraste tão grande entre suas personalidades.

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Um dos pontos interessantes do longa reside na contextualização da trama com a época na qual esta se passa. A ascensão artística do casal – e mesmo a festa que abre o filme – representam muito bem a celebração no território norte-americano que existia ao final da Segunda Guerra Mundial, período abordado aqui. Os espetáculos musicais ganhavam força com a população em período de festa, e isto auxiliou ao sucesso, especialmente, de Francine, uma vez que Jimmy Doyle, por uma série de razões, teve uma carreira bem menos significante. Como personagem, no entanto, o mesmo Jimmy ganha o filme para si, mesmo que provavelmente ganhe alguns minutos a menos do que sua amada na tela. Explosivo, imprevisível e por vezes egoísta, o personagem evolui juntamente com a trama, e passa de um simples picareta no início da projeção até um homem imponente e que corrompeu-se por sua paixão, especialmente, à música. Não que seja um processo de corrupção ao estilo Scarface ou O Poderoso Chefão, como poderia se esperar de outro projeto de Scorsese, não, aqui temos uma corrupção mais sutil, que se dá em pequenas atitudes, como arranjar briga num restaurante, trair a tão amada esposa e passar a relacionar-se de forma cada vez mais fria com as pessoas mais próximas a ele. A interpretação de Robert De Niro satisfaz completamente neste sentido, especialmente durante o primeiro ato, onde o ator claramente se diverte na composição do galanteador picareta, mas que não deixa nada a desejar nos momentos mais dramáticos do terceiro ato, quando já comporta-se como um ator experiente ao compreender a necessidade da explosão mas, ao mesmo tempo, de conter-se para não tornar-se um personagem assustador.

Justamente neste ponto pode ser encontrado o grande defeito de New York, New York: Jimmy Doyle parece um personagem saído de uma obra de Scorsese, mas deslocado para uma obra que não é do diretor. Enquanto o personagem é explosivo e intrigante, a fita entrega-se à cautela narrativa que passa por grandes períodos de projeção sem entregar qualquer grande evento sendo narrado, tornando-se consequentemente arrastada com isto. Se durante metade da projeção temos a evocação dos romances das décadas de 50 e 60 no Cinema norte-americano e o espaço para a abordagem da carreira musical do casal, depois acabamos por presenciar a substituição destes elementos por um clima monótono, que preocupa-se unicamente em abordar a crise no relacionamento entre Jimmy e Francine e como isso afeta ambos, inserindo dramas que já foram facilmente vistos em outras produções que abordam esta mesma questão. O filme sai prejudicado e acaba soando insosso, por ser leve e monótono demais, não arriscando-se fora disto durante a segunda metade, ainda que traga bons momentos através, justamente, da presença da personalidade forte de Jimmy Doyle.

Acostumado a tramas mais sujas e movimentadas, Martin Scorsese também não consegue ganhar o destaque estético habitual, na função de diretor, e ainda que entregue alguns belos enquadramentos – como aquele no qual Doyle toca seu saxofone encostado a um poste, sendo filmado de cima -, mas a temática aqui trabalhada pode ter deixado o diretor um pouco abatido em seu trabalho, ainda que claramente houvesse ânimo por parte dele em contar esta história.

Nos quesitos técnicos, no entanto, há de se tecer elogios à equipe de New York, New York, que além de eficiente na ambientação visual à década de 1940, ainda funciona muito bem ao transitar entre sequências na qual o excesso de cores e vivacidade predominam – nas cenas musicais da carreira solo de Francine, especialmente -, para aderirem logo depois ao clima frio e até levemente sombrio – graças ao escurecimento da fotografia – de alguns lugares frequentados por Jimmy em certo ponto da trama – ou mesmo no bar, de iluminação vermelha e pouca claridade, no qual o mesmo perde o controle, acompanhado da esposa.

No fim das contas, o descontrolado Jimmy Doyle e a doce Francine Evans tiveram uma jornada interessante o bastante para merecer ser acompanhada, ainda que faltasse algo a esta para preencher as quase três horas de filme sem deixar o espectador um pouco entediado.

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Nota:[tres]