A sutileza que o cinema tem de retratar histórias que não conhecemos, universos diferentes e ainda assim nos incluir em toda aquela sequência de eventos é realmente incrível. Não me Abandone Jamais foi um dos filmes que tive aquele “feeling” de que seria mágico e incrível, e ainda assim o filme conseguiu superar as minhas expectativas. O projeto além de ter uma história ambiciosa e melancólica, ainda carrega nas costas o peso de retratar um dos livros mais aclamados da década passada, mas o triunfo não poderia ter sido maior. O filme é emocionante do começo ao fim, e apesar de atender um universo diferente é extremamente palpável aos sentimentos humanos.
Não me Abandone Jamais é baseado no livro homônimo de Kazuo Ishiguro “Never Let me Go” e acompanha a história de Kathy, Tommy e Ruth. O filme se passa todo como se fosse um olhar para trás narrado por Kathy vivida com maestria pela musa, incrivelmente talentosa e rainha soberana da nova geração do cinema Carey Mulligan. Kathy narra desde o início a bela amizade dos três. Como se conheceram na escola especial Hailsham, como se apaixona por Tommy, logo na sequência como o triângulo amoroso é formado, e acima de tudo como que com o passar do tempo vão perdendo sua ingenuidade sobre qual era a real missão deles nessa vida.
Percebemos então que não se trata de mais um romance como qualquer outro, mas que se trata de um Sci-Fi muito diferente das coisas que conhecemos do gênero. É aí aonde acho que a escolha de Alex Garland para adaptar o roteiro foi perfeita (lembro logo do ótimo “Sunshine” em que ele trabalhou em parceria com o Danny Boyle). O roteirista nos presenteia com reflexões incríveis e cenas introspectivas de tirar o fôlego. O filme apesar de ser romântico nem de longe soa aquela coisa mastigada que o cinema americano está acostumado a fazer, ao contrário, os sentimentos são tratados com extrema frieza e conformismo. O filme mostra exatamente que se certos sentimentos não forem plantados nas pessoas (como independência, revolta, paixão), elas nunca os possuirão. Não me Abandone Jamais sem dúvidas é ali junto com “Rede Social” o melhor roteiro de 2010.
Após apresentar a dinâmica do filme e os singelos sentimentos das crianças, o filme parte para sua causa maior, e logo no início Kathy, Tommy e Ruth descobrem que foram criados apenas para um motivo: servir aos outros. Eles são filhos de uma das milhares de escolas existentes na Inglaterra fictícia dos anos 80, que preparam clones para futuramente garantirem uma vida longa e mais saudável aos seus originais. Aí não fique pensando que virá uma cenografia grande, tecnológica, e que a história será megalomaníaca, não, nada disso acontece. O tema é inserido com sutileza no cotidiano mais do que ordinário dos personagens, não existem muitas perguntas, cunho político ou questionador. Eles são o que são e até terem contato com alguns agentes exteriores nunca se questionam sobre sua condição. O condicionamento dos personagens é perfeito, e o roteiro em momento algum força a barra pelo contrário.

Havia muita expectativa em torno do filme para concorrer nas grandes premiações americanas, o que infelizmente não aconteceu. Acho que exatamente por não possuir categoricamente nada que lembre o cinema hollywoodiano. A fotografia é totalmente em tons pastéis na sua maioria escuros, no roteiro não existe uma reviravolta ou um personagem salvador (os personagens são condicionados ao máximo) e a trilha sonora fica por conta da brilhante Rachel Portman, que já havia nos levado às lágrimas em “Casa do Lago” e balançar os quadris em “Chocolate”.
Toda marcada no cello e no violino, a trilha vai muito além do que é requerido pelas cenas e transcende os sentidos (por momentos cheguei a lembrar da incrível trilha de Hans Zimmer em o “O Amor não tira Férias”, que esse ano também não fez feio em “Inception”). Mas sem dúvidas o grande momento do filme é a canção homônima à obra “Never Let me Go”, no momento mais melancólico em que Kathy segura sua almofada e ouve com intensidade ao tape fictício que Tommy à presenteia. Existe uma entrega na cena que é realmente de tirar o folego, algo que contrasta com toda a frieza proposta no filme, onde apesar de ainda crianças todos os sentimentos afloram calorosamente. Cena onde também é revelada a suposta inveja e ciúmes de Ruth.

Por falar em Ruth, confesso nunca ter gostado da impronunciável Keira Knightley, por uma série de coisas que se somam à sua dramática e exagerada interpretação, por seu vínculo com os romances sentimentalóides de Jane Austen, por suas parcerias com o excêntrico Joe Wright, enfim. Porém confesso que sempre tive esse feeling de que como vilã a atriz iria bem, não deu outra. Apesar de dentro dos moldes contidos de “Never let me Go” Keira ainda consegue demostrar toda sua veia sensacionalista e dramática e se encaixa muito bem no papel da complexa porém muitas vezes cruel Ruth. Isso aliado à grande presença de espírito de Carey e à melhor interpretação do Andrew Garfield dá ao filme um peso de elenco muito forte. Garfield se mostra extremamente versátil no filme e explora confortavelmente todas as facetas do personagem.
É isso, Não me Abandone Jamais é Sci-Fi como ela sempre deveria se mostrar: humanizada. Um filme que não força a barra em coisas como juntar o casal principal, fazer justiça à causa dos clones, mostrar que todos tem sentimentos… Muito pelo contrário, eles são descobertos aos poucos pelos personagens após saírem de Hailsham, onde, claro, já não possuem mais muito tempo de vida. Os adventos da medicina também não são muito explorados pela cenografia, pretendendo mostrar um filme moderno e tecnológico como seu primo temático “A Ilha”. Não me Abandone Jamais é honesto em sua proposta, contido em sua abordagem, mas não deixa de em momento algum ser envolvente, lindo e singelo. São 5 caipirinhas com toda certeza.