Exibido no FIM – Festival Internacional de Mulheres no Cinema – , o documentário Meu Corpo, Minha Vida, de Helena Solberg, expõe as dificuldades de mulheres brasileiras diante de uma gravidez não-planejada. A questão do aborto ainda é muito difícil de ser levantada, e pode gerar discussões acaloradas, seja na internet ou em reuniões de família/amigos.
A máxima Se não aprova a prática, não faça não é o suficiente para encerrar os argumentos de quem se posiciona contra o procedimento. É só entregar pra doação depois, Mas na hora de fazer foi bom, não foi?, Quem mandou abrir as pernas? e Assassina são alguns dos absurdos que quem apoia a descriminalização do aborto ouve. Como se os nove meses de gravidez não fossem o suficiente para mudar completamente a rotina e o corpo de uma mulher, como se ela tivesse feito o filho sozinha ou como se o sistema de adoção brasileiro fosse um exemplo para o mundo.
Nem todo mundo entende, por exemplo, que há uma infinidade de coisas que pode dar errado na prevenção. Muitas mulheres engravidam no período de mudança de método contraceptivo, outras não são informadas de que o antibiótico receitado corta o efeito da pílula anticoncepcional. Somente nos últimos dias eu soube que a pílula do dia seguinte começa a perder a eficácia em mulheres que pesam 75 kg e não fazem efeito em mulheres que pesam mais de 80 kg. Mas, na sociedade que condena o aborto e que uma mulher precisa da autorização do companheiro para fazer laqueadura (procedimento médico de esterilização para mulheres), somente ela é julgada por não ter esse tipo de informação e, claro, por transar.
Meu Corpo, Minha Vida mostra manifestações que exigem a descriminalização do aborto e conta com depoimentos da escritora Martha Medeiros, médicas e pessoas que perderam alguém próximo que buscava desesperadamente um modo de interromper a gravidez. O fio condutor do documentário é o caso de Jandyra Magdalena dos Santos, uma jovem que , aos 27 anos, procurou uma clínica clandestina para realizar um aborto. Jandyra era mãe de duas filhas, tinha um emprego que a permitia sustentar as garotas e estava morando na casa da mãe após ter se separado do marido. Ela tinha planos, mas as coisas não saíram como planejado.
No depoimento da mãe e da irmã percebemos que se a família pudesse imaginar o destino de Jandyra, talvez a jovem tivesse recebido apoio. Mas é sempre assim, a compreensão e a aceitação da vontade da gestante só são consideradas em situações extremas, o que dificulta muito o processo e desrespeita a mulher como cidadã.
A cineasta Helena Solberg, que atua na área desde o Cinema Novo, conduz o filme com muita competência e sensibilidade, mostrando as deficiências de um sistema que incrimina mulheres pobres, mas que passa pano para quem pode pagar por um aborto feito de maneira segura.