Crítica: Marte Um (2022)

Imagem: Embaúba Filmes

Depois de passar por diversos festivais, incluindo Sundance e a premiação em Gramado, Marte Um, filme do cineasta mineiro Gabriel Martins, chega aos cinemas de Belo Horizonte, Contagem, Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, Palmas, Curitiba, Fortaleza, Porto Alegre, Rio Branco, Goiânia, Salvador, Vitória, Aracaju, João Pessoa, Manaus, Niterói, Afogados da Ingazeira, Balneário Camboriú e Ribeirão Preto.

O ponto de partida é uma família negra da periferia. Pai, mãe e filhos possuem sonhos distintos e tentam equilibrar isso em uma convivência pacífica que, na maioria das vezes, funciona, mas que pode ter os seus atritos quando as vontades dos filhos passam a ganhar forma e são verbalizadas.

Wellington (Carlos Francisco, de Bacurau) é o patriarca da família, trabalha como porteiro de um prédio residencial com moradores ricos e frequenta reuniões dos Alcoólicos Anônimos. Torcedor do Cruzeiro, ele deposita a esperança de um futuro melhor para a sua família nas costas do filho mais novo, Deivid (Cícero Lucas), sem perceber que o sonho de ser um jogador de futebol é apenas seu. Deivid, que gosta de ciências, tem outros sonhos, o de ir à Marte.

Enquanto isso, a filha mais velha, Eunice (Camilla Damião) está descobrindo o amor e, aos poucos, traçando o seu próprio caminho ao lado da namorada, Joana (Ana Hilário). Já Tércia (Rejane Faria, da série Segunda Chamada) trabalha como diarista e passa por momentos de angústia, que desencadeiam algumas reações físicas.

Estes conflitos, durante as eleições presidenciais de 2018, transformam a família. Se, até então, os Martins faziam as refeições juntos e interagiam sorrindo o tempo todo, a constatação de que cada organismo deste corpo passou a ter pensamentos distintos e vontade própria faz com que estes momentos sejam tomados por discussões e a diminuição do sonho do próximo.

Wellington acredita que os filhos têm liberdade, porém não aceita a possibilidade de que o filho possa ter um futuro diferente do que ele traçou. Podemos observar que há diversas formas de oprimir uma pessoa. Wellington não se mostra uma pessoa mesquinha, é um pai carinhoso e acredita estar fazendo o melhor para todos, mas acha inconcebível que uma pessoa tenha sonhos e objetivos diferentes dos dele. É como se todos à sua volta tivessem a obrigação de abraçar as suas vontades, enquanto ele pode diminuir as vontades dos filhos.

Enquanto Eunice e Deivid estão descobrindo quem, de fato, são e quais as suas vontades, em um processo intrinsecamente ligado ao posicionamento do pai, Tércia passa por situações que despertam uma angústia constante. Rejane Faria brilha e traz à tela a confusão de sentimentos da personagem. Seu olhar de confusão e expressão de desesperança trazem ao espectador o desespero de quem está preso a si mesmo.

A direção de Gabriel Martins é firme e ilustra o dia a dia de uma família vivendo sem privilégios e o malabarismo que é preciso para se manter. Tércia vive encaixando diárias de acordo com a necessidade de fazer mais dinheiro. Mas o mais importante nisso tudo é a singularidade de cada personagem da trama. Pessoas tão distintas são parte de um corpo só. 

Os conflitos da família e a constatação de que nem tudo sai como planejamos são mostrados com muita sensibilidade e torna a narrativa leve, mesmo trazendo à tona sentimentos tão potentes. Trata-se de um filme bonito, de gosto agridoce e com grande potencial. Distribuído pela Embaúba Filmes, distribuidora sediada em Belo Horizonte e especializada em cinema brasileiro, Marte Um é o segundo longa-metragem da carreira de Gabriel Martins, porém o primeiro em que assume sozinho a direção. No Coração do Mundo, de 2019, foi codirigido por Maurilio Martins. Marte Um estreia nesta quinta-feira, 25 de agosto.