O CINEMA DE BUTECO ADVERTE: A crítica de Maria e João: Um Conto das Bruxas possui spoilers e deverá ser apreciada com moderação.
DESDE QUE OZ PERKINS DIRIGIU O TERROR THE BLACKCOAT’S DAUGHTER, fiquei com a sensação que era um cineasta para se observar de perto. Ao comandar essa releitura do clássico João e Maria, o filho de Anthony Perkins (Psicose) confirma seu talento e talvez não seja exagero colocá-lo no mesmo time de Robert Eggers, Ari Aster, dentre outros nomes que estão se destacando no gênero terror.
Esqueça a parte em que existe uma casa feita de comida, uma estradinha de comida e duas crianças esfomeadas ficando “recheadas” para uma bruxa canibal (bem, talvez essa parte você não precisa esquecer). Desta vez estamos diante um caso de amadurecimento de uma adolescente com a imensa responsabilidade ser mãe e pai do seu pequeno irmão. E esse ponto torna Maria e João: Um Conto das Bruxas diferenciado.
Começando pelo título, que coloca a irmã em destaque, a obra mostra uma personagem forçada a amadurecer antes da hora. A morte do pai e a loucura da mãe, obrigam Maria a assumir os cuidados do pequeno João, um catatau que vive com fome o tempo inteiro. Ela usa cabelos curtos e uma roupa larga para se parecer mais com um menino do que com uma menina.
O motivo disso logo se revela: como uma adolescente precisando trabalhar para sustentar sua família, seria muito fácil que ricos pouco intencionados a contratasse não para limpar suas casas, mas para servir de objeto de desejo para saciar suas necessidades. Isso é escancarado logo no começo, quando ao contrário de boa parte das jovens no seu lugar, ela rejeita as tentativas de um possível chefe, que parece mais interessado em saber se ela ainda é virgem do que no que ela pode fazer pela casa. A sequência seguinte foca no rosto de Maria, furiosa enquanto caminha na chuva com o irmão reclamando logo atrás.
Partindo da ideia que todas as mulheres são bruxas, e não no sentido negativo da palavra, veja bem, Maria e João: Um Conto das Bruxas se torna uma espécie de hino de resistência e empoderamento com uma jovem que perde a sua infância porque é obrigada a se tornar adulta cedo demais para cuidar do irmão, que é totalmente dependente até o momento final, quando Maria aceita seu papel verdadeiro e despacha o irmão para seguir seu próprio caminho. Inclusive, o simbolismo dessa transformação é retratado de forma sutil, com os primeiros vestígios de um amadurecimento sexual no plano final, quando o bico dos seios aparecem protuberantes em suas vestimentas, ao mesmo tempo que suas mãos ficam negras, caracterizando a sua transformação em mulher/bruxa.
Com tudo isso, impossível não lembrar imediatamente do recente A Bruxa, do já citado Robert Eggers. Em comum existe um clima chamado de “horror folk”, uma fotografia cinzenta e sem vida, e uma protagonista feminina buscando o seu lugar. Se não fossem as infelizes tentativas de incluir momentos de jump scare (porra, bicho! Não precisava!!!), Maria e João poderia ser um filho perfeito de A Bruxa.
Outro lado técnico que contribui bastante para a sensação de imersão na narrativa é a opção de uma razão de aspecto 4:3, com a tela quadrada e que nos sufoca junto da personagem. Não conseguimos ver o que há ao redor do ambiente e ficamos presos em tudo que Maria faz e seus pesadelos.
Maria e João: Um Conto das Bruxas é uma feliz surpresa numa temporada que começou com produções duvidosas para os amantes do terror. Não sei você, mas eu não estava preparado para algo assim. Oz Perkins faz arte para refletir e nos obrigar a trabalhar nossa empatia por quem precisa adquirir responsabilidades antes do momento ideal. Puta filme.