ULTRAVIOLÊNCIA É O TERMO usado em Laranja Mecânica para definir o tipo de diversão que a turma dos Droogies procura toda noite. É provável que o filme tenha sido tachado de ultraviolento em seu lançamento, quando recebeu diversas críticas por levar às telas imagens muito pesadas para a época. Foi até retirado de circulação no Reino Unido (onde o diretor escolheu viver) pelo próprio Stanley Kubrick por quase 30 anos, voltando só após a sua morte. Visto hoje, Laranja Mecânica parece nem ter merecido tanto estardalhaço: já nos acostumamos a violências maiores.
Alex (Malcon Mcdowell) é o líder dos Droogies, um grupo de quatro delinquentes que passam as noites liberando a ultraviolência pelas ruas da cidade em um futuro distópico – sempre com muito lixo espalhado pelos espaços públicos e os ambientes privados com cores muito fortes e decoração kitsch (como em Fahrenheit 451). Uniformizados em macacões brancos com suspensórios, bengalas e chapéus negros, Alex, Pete, Georgie e Dim barbarizam com o único objetivo de extravasar violência. Para Alex, a vida se resume a dormir entre vários momentos de êxtase, pela delinquência, pelo sexo e ao ouvir Beethoven. Em um ataque que resulta em morte (uma passagem bem bizarra, diga-se), Alex é traído por Georgie e Dim e acaba preso. Na prisão, tem comportamento exemplar, fingindo estar recuperado para poder sair mais rápido dali. É quando surge a oportunidade de participar de um tratamento novo, que promete recuperar os detentos, criando neles a aversão à violência. Aqui começa a parte mais contundente do filme.
Uma das cenas mais lembradas de Laranja Mecânica é quando os Drugues invadem uma residência futurista e espancam Frank, um escritor, com Alex ritmando seus chutes enquanto canta “Singin’In the rain”. Na sequência, o estupro de Mrs. Alexander é considerado um dos momentos mais violentos do filme (mesmo que Kubrick tenha cortado a ação quando Alex tira o macacão vermelho de sua vítima). Para quem tem agonia com olhos (o/ – certas coisas não se explicam), a cena do tratamento voluntário a que Alex submete, com os aparelhos mantendo suas pálpebras constantemente abertas, é tortura da grossa! Confesso que, em todas as vezes que vi o filme, essa sequência me traz um desconforto enorme.
Impossível não lembrar de Laranja Mecânica em produções recentes, como nos filmes Violência Gratuita, de Michael Haneke, e A pele que habito, de Pedro Almodóvar.
Laranja Mecânica não fala só de violência física ou sexual. É uma obra sobre o poder, sobre a violência que vem acoplada ao poder. O poder de punir sem motivo ou com qualquer tipo de justificativa (justa ou não), o poder de manipular, de construir mitos ou derrubar “verdades”. É sobre como as vontades individuais são frágeis e estão à mercê de uma teia complexa, impregnada desse poder abstrato. As cenas finais mostram a manipulação que é tão comum em nossas vidas e que, por isso mesmo, passa despercebida pela massa.
Indicações ao Oscar: Stanley Kubrick (melhor filme, melhor diretor, melhor roteiro), Willian Butler (melhor montagem)
Título original: A Clockwork Orange
Direção: Stanley Kubrick
Produção: Stanley Kubrick
Roteiro: Stanley Kubrick, baseado no livro de Anthony Burgess
Elenco: Malcolm McDowell, Patrick Magee, Michael Bates, Warren Clarke, John Clive, Adrienne Corri, Carl Duering
Lançamento: 1971
Nota:[quatro ]