Ladrões de Bicicleta

SUJA, POBRE, IGNORANTE, MISERÁVEL, FAMINTA: ESSA É A ROMA DE VITTORIO DE SICA EM LADRÕES DE BICICLETA. A Roma que vimos em A Princesa e O Plebeu, com Pecks e Hepburns, é um mito. A Itália, aqui, é um país acabado por duas guerras mundiais e por seu próprio governo. As ruas estão imundas, as pessoas passam fome, o desemprego atinge taxas exorbitantes, os alemães invadiram o país, a inflação é absurda, os artistas são marginalizados. Suor. Pessoas falando alto, pessoas nervosas, pessoas brigando. O preconceito está nos mínimos acontecimentos: na igreja, no restaurante, na delegacia, no prostíbulo. Não há espaço para os pobres. As relações familiares e sociais da época eram completamente diferentes; todo o país estava em crise e todos, inclusive as crianças, tinham de trabalhar para ajudar. Videntes e igrejas eram o recurso dos desesperados.

Em Ladrões de Bicicleta, Antonio Ricci finalmente consegue o trabalho de “colador de pôsteres” por toda a cidade. Para tanto, precisa ter uma bicicleta – meio de transporte comum na época. María, sua esposa, vende os lençois de algodão – os únicos que têm – para recuperar a bicicleta que o marido penhorou há algum tempo. Já no primeiro dia de emprego, um rapaz rouba a bicicleta enquanto Antonio cola um pôster de Rita Hayworth (nota: os EUA não perdoam mesmo nem os inimigos de poucos anos atrás e já querem disseminar símbolos sexuais hollywoodianos pelos muros do país) num muro qualquer. O pobre coitado corre desesperado atrás do ladrão, mas não consegue alcançá-lo. Dois homens o ajudam, somente. Mais tarde, ele vai à polícia registrar queixa. O policial o trata mal e deixa claro que não perderá tempo procurando uma bicicleta. Se Antonio quiser, terá de procurar por si mesmo.

O filho, Bruno, vai com o pai procurar o objeto. Bruno é o termômetro emocional do filme. Cheio de bondade, ele só quer ajudar o pai. É uma criança e à medida que o dia passa vai amadurecendo e compreendendo o tamanho do problema. Os dois passam por várias situações e vários lugares da cidade. Antonio começa a ficar completamente descontrolado e quando ele desconfia das pessoas ou acusa outras, nós mesmos ficamos tão confusos quanto ele: o desespero o cegou ou ele realmente está certo? Existe certo e errado quando não temos perspectivas na vida?

Ladrões de Bicicleta, por sua natureza cinematográfica neorealista, é um filme transgressor, realista, filmado ao ar livre, altamente crítico da política da Itália da época. O filme é uma obra-prima do cinema mundial e é o pilar de um movimento modernista que trouxe novas formas técnicas e narrativas à arte. Foi o primeiro longa estrangeiro a ganhar um Oscar (na época não havia a categoria de Melhor Filme Estrangeiro, mas levou um Oscar honorário). Vittorio De Sica foi muito inteligente ao escolher atores amadores. A gente realmente acredita que são pessoas vivendo uma vida real e sofrida. Também foi feliz ao demonstrar Roma pelas bicicletas – por elas vemos uma imagem que não condiz com aquela que nos é ensinada: que a Itália é linda, é romântica, é a Torre de Pisa, é o Coliseu, é Michelangelo e vinhos, massas, cinema, lambretas e todos esses símbolos. Apesar disso, outros símbolos não somem: a música animada, a comida, a gritaria entre as pessoas, o entusiasmo, a beleza de Roma e o bom e velho cinema italiano.

 

Título original: Ladri di Biciclette
Direção: Vittorio De Sica
Produção: Giuseppe Amato e Vittorio De Sica
Roteiro: Cesare Zavattini, Suso Cecchi D’Amico, Oreste Biancoli, Adolfo Franci, Gerardo Guerrieri e Vittorio De Sica
Elenco: Lamberto Maggiorani, Enzo Staiola, Lianella Carell, Vittorio Antonucci, Giulio Chiari, Gino Saltamerenda
Lançamento: 1948
Nota:[cinco]