O MUNDO DA FICÇÃO É FASCINADO COM OS DINOSSAUROS desde que a humanidade tomou conhecimento de que seres tão incríveis um dia habitaram o mesmo planeta que nós. Mas, invariavelmente, os lagartões eram sempre retratados em livros e filmes de maneira historicamente duvidosa (mostrando homens das cavernas convivendo com os dinos e ignorando os 65 milhões de anos que separavam um do outro) ou em cenários de completa fantasia, como em Viagem ao Centro da Terra, King Kong e O Mundo Perdido – que foi primeiro um livro de Arthur Conan Doyle, adaptado algumas vezes para o cinema, antes de emprestar seu título à sequência de um best-seller do escritor Michael Crichton.
O best-seller, claro, era Jurassic Park, livro publicado em 1990 que revolucionou a forma como os répteis gigantes apareciam na ficção ao criar uma justificativa científica e plausível (tá bom, “científica” e “plausível”) para trazê-los ao mundo contemporâneo, misturando paleontologia, engenharia genética e teoria do caos. Com uma premissa dessas e o sucesso de vendas, era inevitável que alguém quisesse levar a história de Crichton às telonas o mais rápido possível. E quem assumiu as rédeas, para nossa sorte, foi o rei do cinema-espetáculo Steven Spielberg.
Em 1993 eu tinha oito anos e lembro que rolava uma espécie de dino-mania. Havia uma coleção de fascículos quinzenais que traziam ossos de plásticos para você montar seu próprio tiranossauro; fichas informativas que vinham no saudoso chocolate Surpresa; figurinhas da Elma Chips que transformavam salgadinhos em animais pré-históricos (Fandangossauro, Zambinotops, Doritosdonte…); sem falar no seriado Família Dinossauro, que fazia um sucesso tremendo: quem não se lembra de bordões como “Querida, cheguei!” e “Não é a mamãe!” sendo repetidos à exaustão? O lançamento de Jurassic Park nos cinemas veio para coroar essa coqueluche dinossáurica e mostrar ao grande público os dinos mais realistas já vistos até então. A interessante premissa de Crichton, a direção afiada de Spielberg e os efeitos especiais comandados pelo mestre Stan Winston tornaram o filme um sucesso absoluto (na época foi a maior bilheteria de todos os tempos, recorde batido apenas por um certo filme de naufrágio cinco anos depois) e fizeram muita gente querer virar paleontólogo.
A trama, caso você tenha passado os últimos 20 anos exilado na Ilha Nublar, trata da ideia mirabolante do zilionário John “Não poupei despesas!” Hammond (Richard Attenborough) de criar um parque de diversões exibindo dinossauros vivos trazidos de volta a partir da mais avançada tecnologia genética: DNA de dinossauro retirado do sangue seco de mosquitos aprisionados em pedrinhas de âmbar. Hammond convida um casal de paleontólogos e um matemático malucão para passarem um fim-de-semana no local e darem seu aval ao projeto. Junte um parque ainda em versão beta, um monte de bichos enormes com comportamento imprevisível e um sistema de segurança pra lá de problemático, e essa tonelada de cocô de tricerátops é uma boa metáfora para o que tem pela frente.
Encabeçando o elenco de humanos, temos Sam Neill como Alan Grant, paleontólogo de ideias ousadas (sua teoria que liga a evolução dos dinossauros com os pássaros é hoje amplamente aceita, mas era encarada com descrédito na época) que prefere répteis extintos a crianças humanas cheias de vida. Laura Dern interpreta sua namorada/parceira/peguete (o relacionamento dos dois nunca é deixado muito explícito), a doutora Ellie Sattler, especializada em paleobotânica e doida para mudar a cabeça de Grant quanto à ideia de formar uma família. Claro que há duas crianças (Joseph Mazzello e Ariana Richards) para acompanhar a trupe no passeio pelo parque, encher a paciência de Grant, gritar na hora errada e criar as oportunidades que ele precisava para provar que pode ser um paizão.
Vale destacar ainda Samuel L. Jackson sendo Samuel L. Jackson como sempre, Wayne Knight como o escrotão que comete espionagem industrial e ganha um final merecido ao topar com um simpático dinossaurinho, e Martin Ferrero como o advogado que é o primeiro abandonar o barco (ou nesse caso, o carro) quando o bicho pega e é encontrado por um tiranossauro faminto num momento assaz constrangedor. Mas quem rouba a cena é mesmo Jeff Goldblum como o matemático-popstar Ian Malcolm, responsável pelas melhores tiradas do filme e a “voz da razão” que ninguém parece muito interessado em ouvir.
Mas Jurassic Park não levaria tantas multidões ao cinema se não tivesse um elenco impecável de répteis gigantes. Stan Winston, o cara responsável pelas criaturas clássicas de O Exterminador do Futuro, Predador, O Enigma do Outro Mundo e muitos outros, liderou uma equipe que mesclou duas tecnologias de épocas distintas (a animatrônica, que não chegava a ser jurássica mas já tinha algumas décadas de vida, e a computação gráfica, que ainda estava saindo do ovo), alcançando resultados que impressionam até hoje. Jurassic Park não só trouxe à vida dinossauros já bem famosos na cultura pop, como o tiranossauro rex, o braquiossauro e o tricerátops, como ainda emplacou no imaginário popular figuras até então desconhecidas, como o dilofossauro (aquele que cospe uma gosma preta em Wayne Knight) e os inteligentes velociraptors – embora, principalmente nesses últimos dois casos, os criadores tenham tomado liberdades imensas: não há nenhuma evidência de que os dilofossauros cuspissem gosma nenhuma, e os raptores eram nanicos e mal bateriam na nossa cintura. Cientificamente corretos ou não, o que importa é que as criaturas de Jurassic Park inspiram no espectador as emoções que certamente sentiríamos se pudéssemos ver esses bichões ao vivo: o assombro de se estar em frente a um braquiossauro do tamanho de um prédio; a tensão de poder ser devorado por um velociraptor à espreita a qualquer momento; o respeito que só um carnívoro do tamanho de um tiranossauro pode impor.
Criador e criatura: Stan Winston e seu bichinho de estimação.
A trilha do mestre John Williams, parceirão de Spielberg em tantos filmes, é outro grande trunfo: Williams não só adicionou mais um punhado de melodias-chiclete a sua invejável coleção, como é impossível dissociar várias cenas do filme das músicas que as acompanham. Mas é um atestado da competência de Spielberg que um dos momentos mais icônicos de Jurassic Park – a longa sequência envolvendo a aguardada primeira aparição do tiranossauro – se dê ao luxo de dispensar a música de Williams para criar tensão, concentrando-se apenas em efeitos sonoros como o som dos passos do tiranossauro (que fazem a água do copo tremer) e o estrondo ensurdecedor emitido pelo bichão.
Jurassic Park faz parte da minha vida desde que assisti ao filme no Cine Palladium, em Belo Horizonte (um cinema que, coincidentemente, também foi extinto e voltou à vida anos depois). Foram inúmeras revisões na TV, em vídeo e em DVD, com as quais decorei até os erros de continuidade, sem nunca me cansar de ver. E em 2013, finalmente tive a chance de revisitá-lo na telona com o lançamento da versão 3D. Foi um barato não apenas conferir que o filme continua ótimo, que os efeitos especiais ainda convencem bastante e que a conversão para 3D foi executada com competência, mas ver a obra unindo gerações: de um lado, havia um cara na faixa dos 30 que assobiava todos os temas com nostalgia; do outro, um garoto com seus oito anos se admirava, escondia o rosto e se empolgava com aqueles dinossauros do mesmo jeito que eu fizera quando tinha sua idade. O parque jurássico idealizado por John Hammond pode ter ido por água abaixo, mas sua célebre frase de boas-vindas continua servindo para os novos e velhos fãs ao longo dos anos: Welcome… to Jurassic Park.
Título original: Jurassic Park
Direção: Steven Spielberg
Produção: Kathleen Kennedy & Gerald R. Molen
Roteiro: Michael Crichton & David Koepp
Elenco: Sam Neill, Laura Dern, Jeff Goldblum, Richard Attenborough, Wayne Knight, Samuel L. Jackson
Lançamento: Junho de 1993
Nota:[cinco]