SOU UM CARA SIMPLES. Se meu time é preto e branco, terei uma resistência maior contra coisas azuis. Se eu gosto de Nirvana, terei uma verdadeira preguiça da punheta sonora que é o Guns n`Roses. Se eu sou Grifinória, meu senso de justiça me obriga a não querer empurrar os moradores da Sonserina escada abaixo, tal como a Nazaré Tedesco, da novela Senhora do Destino. E, claro, como sou alucinado com Star Wars, algo dentro de mim grita para ser contra Star Trek. Sei que é uma grande besteira, mas como disse sou uma pessoa simples.
A segunda aventura da Enterprise conta a história de vingança do super-humano Khan após ficar exilado por 15 anos. Decidido a fazer Kirk (William Shatner) pagar pela morte de sua esposa, o vilão tenta roubar um artefato chamado “Genesis”, que é capaz de criar vida em um planeta morto.
Enquanto assistia a Star Trek: A Ira de Khan, de 1982, como maneira de me preparar para Além da Escuridão – Star Trek, de 2013, fiquei um tanto decepcionado com os inúmeros comentários que apontavam o longa como um dos melhores da série. Desconsiderando a sua importância para os efeitos especiais, as atuações não são intensas e o roteiro não conseguiu me cativar. Existem as várias metáforas, como a relação de envelhecer, lealdade, sacrifício, que são sim interessantes, mas que são exploradas de uma maneira pouco atraente. Nem mesmo a vingança, tema que sempre apreciei, foi explorada de jeito satisfatório.
A desilusão maior foi com o vilão Khan. Por tudo que li sobre o personagem, esperava por uma figura capaz de figurar facilmente em qualquer seleção dos melhores vilões da história do cinema. Infelizmente ele não aparece nem mesmo na minha lista de “vilões do espaço”. Interpretado por Ricardo Montalbán, o inimigo entra em cena de uma maneira triunfal, deixando claro para o espectador sobre o quanto ele é perigoso. No entanto, o roteiro peca por ser mais direcionado ao público que acompanhava a série e reconheceu o personagem como o vilão de um dos episódios (“Space Seed”) da primeira temporada. Khan quer se vingar de Kirk por ter perdido sua esposa, mas em momento algum fica claro do que diabos o maluco está falando. Sei que “deveria” levar em conta a época em que o longa-metragem foi produzido, mas isso é apenas uma desculpa usada pelos defensores de coisas ruins produzidas no passado. Quando o conjunto da obra é bom, os erros são irrelevantes. E definitivamente, não é o caso aqui.
O Almirante Kirk parece viver um dilema nos minutos iniciais da obra, como se sentisse cansado e velho demais para retomar seu trabalho. Ele fica ainda mais deprimido quando ganha um óculos para leitura de presente de aniversário. O velho questionamento do herói não é novidade para o público mais novo, que já viu isso muito bem representado em Homem-Aranha 2, de Sam Raimi, mas não deixa de ser interessante observar isso em Star Trek. Outro tema importante de Ira de Khan é a questão do sacrifício. Spock (Leonard Nimoy) toma uma corajosa decisão durante o terceiro ato para evitar uma tragédia completa e a morte de todos os tripulantes da Enterprise. O ator acreditava que seria a sua última participação na série e entendeu que uma morte gloriosa seria uma excelente maneira de se despedir.
Star Trek – A Ira de Khan merece o seu lugar ao sol na história do cinema não por ser um bom filme, mas por ser o primeiro longa-metragem a incluir uma sequência gerada inteiramente por computação gráfica. O feito é visto durante a demonstração do funcionamento do artefato Genesis em um planeta morto. A cena pode passar batida para a nossa geração tão acostumada com efeitos especiais, mas para a época foi muito importante e marcou a história da Industrial Light and Magic, de George Lucas.
Ainda que tenha chegado bem perto de despertar a minha própria ira, Star Trek – A Ira de Khan se faz valer especialmente pelo carisma de seus personagens acima de tudo. Foi a minha primeira experiência com o universo clássico de Kirk e Spock, e mesmo com vários defeitos, me diverti o suficiente para passar a respeitar a saga. Verdade seja dita: depois de Episódio 1 – A Ameaça Fantasma só sendo muito arrogante para achar que mesmo um Star Wars ruim supera o melhor Star Trek. Não é bem assim, sinceramente.