A TEMPESTADE ESTÁ CHEGANDO, e todos os moradores da “Banheira”, uma comunidade ribeirinha ao sul do estado de Louisiana, têm de deixar suas casas. Não Hushpuppy. Ela e seu pai, Wink, não arredam o pé, mesmo que a água já esteja entrando no barraco.
Não foi por falta de avisar. Na Banheira, as crianças aprendem, desde muito cedo, a se prepararem para a sobrevivência. Todas as terras a sul do dique que os separa do continente ficarão embaixo d’água muito em breve, na medida em que as calotas polares derretem e aumenta o nível da água. Elas podem, inclusive, libertar os auroques, bois de proporções bastante avantajadas congelados desde a pré-história. Não é um cenário muito favorável.
E a bonança não vem após a tempestade. Alimentos e animais morrem com a água salgada que a chuva trouxe. Os sobreviventes começam, então, a reconstruir suas vidas. E, por mais interessantes que possam ser os habitantes daquela terra esquecida, eles são retratados de forma simplória. Grande parte dos personagens são bêbados e/ou negros que falam errado e dispensam até o uso de talheres.
Apesar do nome, a Banheira não é um lugar agradável. Não é bonito, de difícil subsistência e cujos habitantes são dotados de um desapego dos bens materiais que compromete as noções mais básicas de saúde e higiene. Mas, embora o clima de pobreza e catástrofe permeie todo o filme, esta não é uma história sobre destruição ou mesmo sobre as consequências do aquecimento do global. A tempestade é um catalisador para revelar as relações humanas: consigo mesmas, com outras pessoas e com a natureza.
A fotografia pungente de Ben Richardson não deixa escapar quase nada desse panorama. E, mesmo que ao fim de Indomável Sonhadora o espectador conheça cada canto daquela terra devastada, é nos olhos de Hushpuppy onde o filme realmente acontece.
Em meio à pobreza e a um pai violento e moribundo, ela parte em busca da mãe que nunca conheceu. Seus olhos vêem muito mais do que ela pode deixar transparecer aos olhos adultos. A atuação cândida e, ao mesmo tempo, forte de Quvenzhané Wallis, de apenas cinco anos, é o coração da trama e o que torna a jornada de Hushpuppy tão tocante.
Na era dos remakes, sequências e adaptações, o maior elogio que se pode fazer ao filme de estreia do diretor Benh Zietlin é que ele é original e ousado. Soube ser poeticamente belo como nenhum outro no último ano, e ao mesmo tempo simples ao tratar de assuntos tão complexos quanto a morte e nossas raízes e origens.
Esse é o azarão do ano: aquele filme independente do qual você dificilmente ouviria falar que conquista os críticos e festivais e entra para o seleto clube dos favoritos da temporada de premiações. Indomável Sonhadora é um desses possíveis candidatos por conseguir mesclar a doce fantasia da inocência e a dura realidade em uma emocionante história sobre crescer.
Hushpuppy é uma força da natureza. Indomável Sonhadora é uma jornada dolorosa, cujas circunstâncias exigem um amadurecimento muito além da sua pouca idade. E, em meio a tanta destruição e dor, consegue mostrar beleza nos lugares mais improváveis.
Título original: Beasts of the southern wild
Direção: Benh Zietlin
Roteiro: Lucy Alibar, Benh Zietlin
Elenco: Quvenzhané Wallis, Dwight Henry, Gina Montana
Lançamento: 2012
Nota:[quatro]