ASSIM COMO O CAVALEIRO DAS TREVAS, de Christopher Nolan, a produção lançada no começo dos anos 2000 não é unicamente um filme sobre super-heróis. O cineasta Ang Lee (O Segredo de Brokeback Mountain) utilizou recursos característicos das histórias em quadrinhos, assim como vários efeitos especiais e a presença de um vilão poderoso personificado como o pai do herói. A tragédia clássica se repete e é um dos principais temperos do filme, mas tudo é apresentado de uma maneira dramática, bem trabalhada e que tenha bem mais para apresentar que apenas uma adaptação do Gigante Esmeralda nos cinemas.
A trama, óbvio, mostra as origens do personagem através dos raios gama e como ele se transforma no verdão pela primeira vez, assim como o combate com o inimigo e a velha rixa com o sogrão, mas o ponto chave é a maneira como o diretor conduz a trama e o roteiro de James Schamus é ousado em introduzir um drama familiar no meio de um longa-metragem de super-herói. O conflito entre pai e filho lentamente vai dando contorno na história e levando para uma conclusão inevitável, onde um deles não sairá com vida.
Hulk virou um daqueles filmes incompreendidos e infelizmente acabou sendo ignorado (e bastante criticado) pelos fãs e a mídia especializada. Tanto que poucos anos foi lançado O Incrível Hulk, desta vez com Edward Norton no papel principal, e em 2012 foi a vez do personagem retornar em Os Vingadores, com Mark Ruffalo como Hulk. Ou seja, em menos de 10 anos, o herói ganhou três personificações completamente distintas e com atores diferentes. Seria uma maldição? O curioso é que todos as três aparições do palmeirense invocado possuem qualidades, todos os três filmes são bem interessantes, mas apenas o filme de Lee se arrisca em criar um drama com o herói, o que acaba tornando-o especial.
Eric Bana interpreta um Bruce Banner sério. Talvez musculoso demais, mas que se fecha na própria timidez e tenta ser um homem focado no trabalho e na sua pesquisa para desenvolver uma nova tecnologia. Ao seu lado está Betty Ross (Jennifer Connelly), uma bela cientista que sofre com a relação turbulenta com o pai, General Ross (Sam Elliott). Completando o elenco está o vilão interpretado de maneira brilhante por Nick Nolte. Os atores fazem um trabalho eficiente e sem passarem por maiores embaraços com a ideia de que o principal do filme é um homem verde. Curiosidade sobre o elenco: logo nas cenas que introduzem Bana, é possível ver Stan Lee e Lou Ferrigno caminhando juntos. Para quem não sabe, Ferrigno interpretou o Hulk na série clássica da televisão; e Stan Lee é a mente criativa da editora Marvel.
Ang Lee aproveita a matéria prima dos quadrinhos e usa e abusa dos recursos de split screen e também de qualquer coisa que consiga deixar a ação o mais parecida possível com o que os fãs das revistinhas estão acostumados. O espectador é presenteado com momentos interessantes, mas a graça se perde quando o Hulk surge em cena. Uma observação mais cuidadosa do CGI poderá decepcionar um pouco aqueles que esperam um trabalho de qualidade impecável, ainda mais tendo em vista o Hulk dos outros dois filmes, mas é claro que precisa-se levar em consideração o fato de que a tecnologia apenas evolui com o tempo e que se tratando de filmes de heróis, claro que os efeitos especiais irão apenas se tornar ainda mais “reais”. O único escorregão ficou por conta da presença de um trio de cachorros mutantes, extremamente descartáveis e que provavelmente foram exigências dos estúdios.
Hulk não se encaixa no universo atual da Marvel e nem faz falta para o conceito criado. É um filme de herói diferente e que merece ser assistido com atenção e a consciência de que o mais importante está no conflito psicológico (Eric Bana se confrontando com seu próprio “reflexo” é uma bela cena e explica bem a ideia do que sente uma pessoa reprimida quando sua paciência se esgota) e familiar. Talvez seja exagero afirmar que é um dos melhores trabalhos do cineasta, mas é certo que os efeitos especiais da produção influenciaram muitos outros diretores e ainda terá muito que oferecer para o público.