Guerreiro

Leia também o texto de Fernanda Minucci.
Leia ouvindo “Start a War”, do The National.

JULGAR UM FILME APENAS POR CONTA DA PRESENÇA DE UMA BANDA NA TRILHA SONORA É BURRICE? Provavelmente sim. Provavelmente não. A questão mais importante é ressaltar o impacto que a canção tem na cena em que é utilizada. Considerando por esse lado, só de ter “About Today”, do The National, o longa-metragem Guerreiro já merecia uma excelente cotação etílica no ranking do Cinema de Buteco. Acontece que ele também tem performances incríveis, cenas de lutas de tirar o fôlego e um belo roteiro do cineasta Gavin O`Connor.

O filme conta a história de dois irmãos que entram num torneio de luta-livre para conseguir pagar suas dívidas ou promessas. O problema é que eles não conversam há anos, após serem separados devido ao turbulento relacionamento de seus pais. O filho mais novo (Hardy) viajou com a mãe, deixando o mais velho (Edgerton) lidando com o pai alcoólatra (Nolte). Quando eles se encontram, cara a cara no ringue, precisam esquecer que são irmãos e lutar para cumprir os seus objetivos.

A primeira coisa que deve ser elogiada em Guerreiro é a atuação de Nick Nolte. O veterano ator está interpretando um daqueles personagens que a Academia adora: um homem decadente e que busca o perdão por todos os erros e abusos cometidos no passado. O personagem lembra um pouco aquele interpretado por James Coburn no tenso Temporada de Caça, de 1997. Naquela ocasião, Nolte ficou apenas na indicação para o grande prêmio de melhor ator, enquanto Coburn recebeu o Oscar de Ator Coadjuvante por sua atuação como um pai abusivo e que ainda lidava com os reflexos da bebida em sua conturbada relação com os filhos. Paddy Conlon é frágil e tenta em vão recuperar o carinho e atenção dos filhos.

Explorar relacionamentos entre pais e filhos é um grande filão em Hollywood. Algumas vezes, como disse a Fernanda Minucci no seu texto, acaba sendo extremamente clichê. Guerreiro tenta escapar um pouco desse arriscado tema ao misturar a luta-livre na história e oferecer dois personagens principais muito bem trabalhados e que tornam inevitável que o espectador se identifique e acabe torcendo pelo sucesso de ambos. Connor é hábil ao conduzir o drama dos dois irmãos e adiar o encontro por boa parte da produção, algo semelhante ao que David Fincher fez em Millennium – Os Homens Que Não Amavam as Mulheres. O choque de titãs é inevitável e deixa o público com o coração na mão, incapaz de decidir qual dos dois deverá sagrar-se campeão do torneio.

Guerreiro tem as melhores cenas de luta dos últimos anos. Hardy destrói todos seus adversários com uma fúria de deixar até mesmo o Anderson Silva apreensivo. Logo na primeira luta, durante o treinamento de um outro lutador, Tommy apresenta toda a sua selvageria e desfere chutes e socos sem dó. Engraçado observar como a atitude do personagem nos ringues é exatamente o contrário do que ele é normalmente. Calado, marrento, mas com uma bagagem psicológica completamente abalada por conta de sua experiência na Guerra e também por conta dos familiares, Tommy libera toda a sua raiva nos oponentes. A atuação de Tom Hardy é fundamental para transformar Guerreiro em um filme especial. Ele não precisa falar nada para transmitir para o público os seus demônios e bem, essas coisas deveriam ser valorizadas numa atuação.

Com tantos comentários positivos, o longa-metragem acaba escorrendo na sua conclusão. O sentimentalismo fala mais alto e a aguardada luta final não passa de uma grande lavação de roupa-suja, quase como nos programas da Márcia Goldsmith. Claro que todo mundo que acompanha o UFC sabe que é a técnica e a estratégia que definem quem será o vencedor de uma luta, mas Connor ignorou esses detalhes para focar na tentativa de reconciliação dos dois irmãos. Ambos em frangalhos, com os corpos destruídos e aquela incômoda sensação de borboletas no estômago de quando estamos prestes a recuperar algo que ficou perdido por muito tempo. Não chega a estragar todas as qualidades apresentadas pelo elenco e pelo diretor/roteirista, mas diminuiu demais o ritmo e adrenalina do filme.

Em tempos de UFC se tornando paixão nacional e ficando cada vez mais forte no mundo todo, é uma grande surpresa pensar que mesmo assim, a produção foi lançada direto em DVD no Brasil.  Uma pena. Mas depois que O Cavaleiro das Trevas Ressurge estrear nos cinemas, o trabalho de Tom Hardy ganhará uma atenção especial e muitos filmes serão descobertos pelos cinéfilos. Guerreiro com certeza terá o seu lugar de destaque.

 


Nota:

Dedicado para a Julia Goulart, fã de MMA e UFC, que costuma dar porrada nos amiguinhos.