TODO MUNDO ADORA UM ANTI-HERÓI, e a Marvel sabe disso. Se o estúdio já vinha apostando na malandragem do Homem de Ferro e nas limitações de um ex-fracote Capitão América, eles foram all-in no quesito zoeira em Guardiões da Galáxia, um filme sobre um bando de renegados que se vê com uma batata quente nas mãos.
Peter Quill (Chris Pratt) só queria roubar o orbe e vender ao comprador que pagasse mais. Ele só foi descobrir que aquela bolinha de metal era muito mais valiosa do que imaginava quando Ronan (Lee Pace) passou a perseguí-lo para recuperar a misteriosa esfera (que se provaria um artefato muito importante em variadas ramificações do universo Marvel). Para fugir de Ronan, Quill é forçado a fazer uma complicada aliança com um quarteto de desajustados — Rocket, um guaxinim atirador, Groot, uma árvore mutante humanoide, a mortal e enigmática Gamora e o vingador Drax, o Destruidor. Mas quando Peter descobre o verdadeiro poder da esfera e o perigo que ela representa para o cosmo, ele deve fazer seu melhor para reunir o grupo para uma última e desesperada resistência — claro, com o destino da galáxia em jogo, como não poderia deixar de ser.
Com o globo como fio condutor da história, Guardiões de Galáxia se propõe a ser muito mais do que um bangue-bangue intergalático: é uma aventura, aquele gênero que parece ter ficado lá atrás, na Sessão da Tarde. Embora seja uma história de personagens altamente carismáticos, eles não são o foco. É essa corrida desenfreada, que bebe de uma gama de referências dos anos 80 de forma tão bem empregada, que o espectador quase não nota que pouco se sabe sobre aqueles seres. Não importa, porque vale mais a experiência – a de se encantar com os efeitos visuais e a de reconhecer, aqui e ali, músicas dos anos 70 e uma homenagem a Indiana Jones, rir das piadas sobre John Stamos e Kevin Bacon e até identificar que a nave se chama Milano por causa da Alyssa.
Mesmo que em forma de uma arma mortal de um mundo alienígena, como é o caso da esverdeada Gamora, do gigante amargurado Drax, de uma árvore ambulante ou de um guaxinim falante, o elenco de “Guardiões da Galáxia” é um de seus muitos fortes. Chris Pratt está longe de casa, a Pawnee de Parks and Recreation, e surpreende no papel do terráqueo que se torna um aventureiro espacial. Como explicou o produtor Kevin Feige, “ele era moderno, era sensual, era absolutamente hilário em certos aspectos — e tem que ser, quando ele coloca o traje, põe a máscara e segura suas armas espaciais, ele é feroz e você acredita”. Pratt é acompanhado por Zoe Saldana, Dave Bautista e as vozes de Bradley Cooper e Vin Diesel, um time que conhece bem o descrédito que seus próprios personagens enfrentam. Acrescente-se aí o diretor James Gunn, conhecido por produções duvidosas de terror e até por uma série pornô que trazia episódios como “Genital Hospital” e “Roadside Ass-istance”, estava formado o grupo de losers que todos nós aprendemos a reconhecer como, bem, nós mesmos.
Para completar o risco que os Estúdios Marvel estavam enfrentando ao lançar o filme, estavam os próprios Guardiões da Galáxia, uma equipe que apareceu pela primeira vez nas histórias em quadrinhos em uma edição da “Mavel Super-Heroes”, em 1969, trazendo os heróis do século 31 que seriam os últimos de sua espécie. O grupo caiu em esquecimento até 2008, quando foi reapresentado com os personagens Senhor das Estrelas, Rocket Racoon, Quasar, Adam Warlock, Gamora, Drax o Destruidor e Groot.
Para a Marvel, a ideia de criar um projeto cinematográfico desse conceito tinha muita coisa a favor — era um grupo notável de personagens que habitam um mundo incrível, mas também uma oportunidade de explorar um outro lado de seu universo, contemporâneo a Os Vingadores. Havia um grande interesse do estúdio de fazer um épico espacial para expandir seu universo cinemático em uma nova direção, sem abrir mão da mistura de humor, emoção e ação que vem dando tão certo.
Dessa vez não foi diferente. Se as apostas foram altas, a recompensa foi ainda maior. O que poderia ser só uma estrutura linear e previsível se tornou uma história de puro entretenimento – no melhor dos sentidos – com a ajuda de uma direção sagaz à la Joss Whedon (Os Vingadores, Firefly), de um design de produção de encher os olhos e construído de verdade, substituindo o insosso chromakey, e um timing perfeito que entrega ao espectador exatamente o que o trailer vendia: uma grandiosa e divertida aventura, à moda dos filmes que você assistia na Sessão da Tarde, mas com um pouco mais de sagacidade e, claro, efeitos visuais.
Quem se impressionou com o ótimo Capitão América 2: O Soldado Invernal, tido como um dos melhores filmes da Marvel até o momento, não poderia imaginar que tão cedo o estúdio criaria algo bom o suficiente para disputar com Steve Rogers. Com a continuação garantida, Guardiões da Galáxia já é uma das mais bem sucedidas produções da Marvel por aperfeiçoar a fórmula que vem dando certo com muita competência técnica e um bom roteiro. Porque a zoeira – há quem diga – never ends.
Guardiões da galáxia (Guardians of the galaxy, EUA, 2014. De James Gunn.)
Nota:[quatro]