Tim Burton está de volta – e desta vez sem Johnny Depp.
Grandes Olhos apresenta a história baseada em fatos da pintora Margaret Keane (Amy Adams), uma artista que pinta crianças com olhos grandes em cenários melancólicos. Minha mãe e minha sogra viveram nesta época em que eram estimuladas a assinar seus quadros apenas com as iniciais ou apenas com o último sobrenome, pois “quadros pintados por mulheres não são muito bem aceitos”. Os quadros de Margaret Keane tornaram-se muito populares depois que seu marido, Walter Keane (Christoph Waltz) assume a autoria e passa a vendê-los. O que vemos acontecendo na história é um verdadeiro absurdo, mas ao mesmo tempo é natural esperar que essas aberrações sejam fruto de uma sociedade onde a mulher é subjugada a uma posição inferior e seu trabalho não é levado a sério.
O ponto alto do filme fica para as atuações dos protagonistas. Amy Adams está adorável como sempre e interpreta muito bem desde a dona de casa apaixonada, uma artista em busca de independência, até uma mulher angustiada por conta da situação em que se encontrava. Já o fanfarrão Christoph Waltz mostra sua versatilidade ao interpretar um artista frustrado, mas sedutor e com grande tino para os negócios.
A história é um prato cheio para Tim Burton repetir sua recorrente crítica ao american way of life, e para representar uma sociedade com valores distorcidos ele também repete a estética colorida em alto contraste da cidade perfeita de Edward Mãos de Tesoura. Além do machismo já citado, o filme deflagra críticas à igreja e à crítica de arte. Uma forte crítica a religião é feita quando Margaret, estando aflita pelo fato de estar mentindo para a própria filha, pede conselhos para um padre que sugere que ela respeite o discernimento do marido, mesmo que este pareça estar errado.
Outra cena marcante é o depoimento do dono da galeria que fica horrorizado com o sucesso dos panfletos com crianças de olhos grandes: “Isso não é arte!”, como se ele fosse a única pessoa no mundo credenciada a definir o que é arte ou não, ou ainda, diminuindo os quadros de Keane por eles serem populares, como se a arte só pertencesse a “ambientes eruditos” ou a pessoas de “fino trato”. Muita gente pode aproveitar o filme para criticar o artista plástico brasileiro Romero Brito, que tem trajetória e popularidade parecidas com a de Keane. Mas assim como a protagonista do filme, ele criou em suas obras uma identidade visual própria, única, popular e facilmente identificável. Por mais que eu não me identifique com a alegria infantil de Brito e com os grandes olhos de Keane, seus trabalhos são dignos de respeito e admiração. Parece que está na moda, ou mesmo virou cult criticar o sucesso comercial do brasileiro, mas no fundo aqueles que o fazem caem na mesma armadilha de soberba representado pelo crítico de arte do filme.
Acho interessante que Tim Burton tenha escolhido contar esta história no cinema. Ele mesmo, através de influências expressionistas criou uma estética em seus longas que funciona como uma marca registrada, e por este e outros motivos é criticado por fazer filmes “pasteurizados”. Estaria o diretor através da história de Margaret Keane clamando por reconhecimento? Apesar de gostar de filmes como Ed Wood e Peixe Grande, acho que falta a Tim Burton outro longa-metragem arrebatador como Edward Mãos de Tesoura que está pra completar 25 anos do seu lançamento.
Grandes Olhos (Big Eyes, 2014) De Tim Burton. Escrito por Scott Alexander, Larry Karaszewski. Com Amy Adams e Christoph Waltz.