DURANTE ANOS A MINHA MAIOR REFERÊNCIA AO GODZILLA estava longa-metragem excepcional que incrivelmente não foi processado por plágio pelos produtores de Jurassic Park. E isso merece nota mesmo, afinal estamos falando do senhor Steven Spielberg, mas deixando as picuinhas de lado, foi assim que fui apresentado ao Rei dos Monstros. Ofensivo, não acham?
Na refilmagem dirigida por Gareth Edwards temos um pedido de perdão de Hollywood para o clássico personagem do Japão. E que pedido, diga-se de passagem. Sem se preocupar em perder tempo com origens (embora exista uma brilhante contextualização durante a introdução), a produção tenta trazer para o público moderno a magia e fantasia de uma época em que as pessoas eram menos céticas e o cinismo não nos impedia de apreciar uma história boba. Ano passado fomos presenteados com Círculo de Fogo, de Guillermo del Toro, que fez a alegria dos fãs de cultura japonesa, mas que não era mais que uma grande homenagem ao gênero imortalizado com o monstrão que Edwards assumiu a missão de recuperar a credibilidade.
Estrelado por Aaron Taylor-Johnson (Kick-ass) e Elizabeth Olsen (Oldboy e A Casa Silenciosa), a trama apresenta um cientista (Bryan Cranston) que descobre que algo muito errado está acontecendo. Seus temores se confirmam quando um monstro gigante surge e começa a destruir tudo ao seu redor e deixando um caminho de destruição do Japão até os Estados Unidos. A única solução é ajoelhar e rezar por uma criatura mitológica de milhares de anos reaparecer e salvar o mundo.
Com base na sinopse acima fica implícito que o papel dos humanos é apenas para o desenvolvimento da narrativa e uma aproximação da realidade para nos gerar uma certa identificação. Eles são caricaturas, ainda que cada um deles tenha o seu draminha básico para passar credibilidade, exatamente como os personagens que apareciam em episódios do Jaspion ou Jiraya. Não são importantes diante a verdadeira intenção da obra, que visa unicamente a diversão dos seus espectadores. Se existem metáforas por trás da história? Provavelmente, mas elas são tão importantes quanto o dilema de usar gelos redondos ou quadrados na minha caipirinha. Quero mais é ficar bêbado e pronto. Um dos pecados de Círculo de Fogo foi justamente se levar muito a sério, coisa que praticamente não ocorre em Godzilla.
Ao optar por mostrar Godzilla aos poucos, numa técnica básica que qualquer cineasta de respeito que se aventurar no gênero deve ter como regra absoluta, Edwards nos envolve com a curiosidade em ver mais do monstro. Lentamente somos presenteados com mais partes do corpo dele, incluindo até a famosa cena do pé dele esmagando o asfalto. Parte disso se deve ao trabalho da equipe de efeitos visuais e sonoros, que capricharam em cenas de batalha e nos rugidos do personagem. Ainda que existam poucas cenas de luta, e algumas delas aconteçam de maneira breve e escura (algo semelhante já havia ocorrido em Círculo de Fogo), os momentos em que Godzilla mostra seus poderes são empolgantes. Pena que a trilha sonora de Alexandre Desplat não consiga se destacar diante a grandiosidade do nosso “herói”.
Godzilla está disponível em versão 3D, que nem merece o comentário de tão desnecessário e oportunista. Na dúvida, não pense duas vezes em economizar a grana do ingresso mais caro em uma garrafa de cerveja para comentar com os amigos depois da sessão.
Muitos amigos da crítica costumam torcer o nariz para comparações, mas boa parte compreende que elas são necessárias para criar argumentos para analisar uma obra sem que isso signifique diminuir ou aumentar a qualidade de outra. Cada filme funciona por si só, o que torna as comparações como um ponto importante de partida, além de funcionar também para recomendar obras parecidas. Dito isso, Godzilla chegou no momento certo após o sucesso de Círculo de Fogo e é imperdível para todos os amantes de produções fantasiosas que evoquem nossa infância sem perder a chance de moderniza-la.