SE ATÉ OS PERSONAGENS MITOLÓGICOS POSSUEM CARACTERÍSTICAS QUE OS HUMANIZEM, PODE-SE DIZER QUE O SERGE GAINSBOURG MOSTRADO EM GAINSBOURG: O HOMEM QUE AMAVA AS MULHERES ESTÁ LONGE DE SER UM MITO. Mostrado a todo o momento da mesma maneira como o vemos na primeira cena (fumando e seduzindo uma garota), o compositor/ cineasta/pai de família/gênio é reduzido à imagem de um sedutor incansável sem o menor tato para as relações humanas, à beira do egoísmo.
E se pensarmos que a tal cena inicial, com o cigarro e a sedução escancarados nos mostra o cantor ainda criança, com seus oito anos, fica claro que existe uma necessidade do filme em afirmar uma imagem completamente bidimensional de Serge Gainsbourg, algo com o quê prefiro discordar. É este o maior erro do filme: ao deixar de mostrar outras facetas de seu protagonista acaba por fazer com que o espectador não enxergue ali nenhuma possibilidade de realidade, de verossimilhança. A frase que encerra o filme é quase que uma explicação para a abordagem adotada. Algo como “prefiro as mentiras de Gainsbourg que suas verdades”. Não há como saber da totalidade da verdade dos fatos quando se trata de uma cinebiografia. É sempre um ponto de vista. Mas o ponto de vista aqui adotado só serve para auto sabotar o filme e em nada contribui para que vejamos naquela figura qualquer indício que nos leve à uma identificação.
Hora ou outra o diretor Joahnn Sfar adota um tom fantasioso quando insere a figura de um auter-ego caricatural de Serge Gainsbourg: lá estão os narizes e as orelhas gigantes, e sua inconsequência, que serviriam tanto para a criação quanto para sua destruição. Do que o diretor parece se esquecer é que já existe uma caricatura em cena, e é o próprio Gainsbourg interpretado por Eric Elmosnino. Um homem que não parece amar as mulheres e nem a ele mesmo. Suas parceiras/amantes/esposas (conquistadas com uma facilidade que até Don Juan desconheceria) não são vistas com admiração, mas sim como uma maneira de fugir de uma solidão à qual o Gainsbourg desta produção estaria fadado. Não é por amor, mas sim puro egocentrismo que ele as mantém a seu lado. E aqui novamente digo que prefiro acreditar no contrário.
Se há alguma diversão em Gainsbourg: O Homem que Amava as Mulheres é em ver em cena personagens que já conhecemos e a aparência física que eles têm com o real é inquestionável. Estão lá Brigite Bardot, Jane Birkin… Lindas e completamente submissas a este charme avassalador que emana de um Serge insosso, sem graça e nada sedutor.
A impressão que se tem é que, como o péssimo título brasileiro tratou de dizer de maneira nem um pouco sutil, o filme tem essa obrigação de construir uma imagem de conquistador, sem ter a menor preocupação em pensar, junto com o espectador, que por mais irresistível que um homem seja (não é o caso deste Serge que vemos em cena) ele não vive só de conquistas. Sua humanidade está também em suas fraquezas, suas felicidades. É isso que o torna uma figura verdadeira. E isto definitivamente não está aqui. Não foi um prazer conhecer este Serge Gainsbourg que nos é apresentado neste filme.
Gainsbourg, Vie Héroïque (2010)
Roteiro: Johann Sfar
Elenco: ÉricElmosnino, Lucy Gordon, Laetitia Casta, Doug Jones, Sara Forestier, Deborah Grall,Kacey Mottet Klein, Philippe Katerine, Claude Chabrol