por Leonardo Carnelos (www.artperceptions.com)
Ao me deparar com o título desse filme minha primeira reação foi: “Que título é esse? O que isso significa Frances Ha? Bom, vou ter que assistir pra descobrir.” E o filme acabou e tornando uma tremenda surpresa, assim como o seu título.
Frances é o nome da protagonista, interpretada por Greta Gerwing. O nome Frances significa “francesa livre”, ou “aquela que vem da França”; é a variante inglesa de Francisca, versão feminina de Francisco, que surgiu a partir do latim Franciscus, derivado do germânico Frank, que quer dizer “Franco” mais o sufixo isk, que denota nacionalidade. Franco significa “livre”, por isso também é atribuído o significado de “francês livre”.
O filme apresenta um ótimo estudo de personagem, desde seu nome até suas ações. Frances Ha é uma jornada de desencontros assim como O Apanhador no Campo de Centeio, um clássico da literatura norte-americana. Porém se no livro de J. D. Salinger, Holden tinha apenas 17 anos e estava encarando as incertezas da adolescência, Frances tem 27 e poucos anos, e suas incertezas não são tão diferentes assim. A verdade é que independente da idade, crescer, encarar a vida adulta, se descobrir, se encontrar, e passar a fazer o que gosta resolvendo a questão financeira é uma das coisas mais difíceis na vida de qualquer um. E isso pode acontecer em qualquer idade, 15, 30, 40, 50 ou até mesmo 60 anos.
Frances é uma jovem que saiu de casa no interior dos EUA e mora em uma república com sua melhor amiga em Nova York. Ela é uma aprendiz de bailarina em uma renomada companhia de dança, mas com o passar do filme vemos que ela talvez não seja boa o suficiente para assumir o cargo oficial de bailarina, mesmo assim Frances jamais desiste de seu sonho.
O filme possui dois cenários bem definidos, Nova York e Paris. A primeira remete a uma de sua maiores influências, o filme Manhattan, de Woody Allen com o uso do preto e branco e os diálogos naturalistas. Na verdade, este filme gerou toda uma linguagem cômico-dramática novaiorquina que influenciou diversos outros filmes como Harry e Sally, ou ainda os sitcoms como Seinfeld e Friends. A própria Phoebe, de Friends, lembra um pouco a personalidade de Frances. O segundo cenário é Paris, que remete a outra clara influência da obra, a Nouvelle Vague, com os cortes rápidos e as passagens de tempo semelhantes ao filme Acossado de Godard. E não por acaso, a produção tem em sua trilha sonora, músicas de Georges Delerue, o principal compositor da Nouvelle Vague.
Otura grande referência é o Mumblecore, movimento artístico do cinema americano que conta com filmes de confecção simplória e baixíssimos orçamentos. Os filmes contém ainda elencos de atores não profissionais, diálogos improvisados e personagens desconectados como Greta Gerwing. O primeiro longa-metragem do movimento é Funny Ha Ha, de 2002.Aqui temos a primeira pista sobre o título escolhido por Baumbach, será que ao fazer referência ao primeiro filme Mumblecore, o diretor colocou uma risada forçada (Ha) após o nome de Frances de propósito? Parece que sim.
Zona de Spoilers
Já na primeira seqüência, o diretor mostra a força da relação de amizade de Frances e Sophie, ao mostrar elas fazendo tudo juntas, desde passear pelo parque, andar de metrô e jogar gamão e dormir na mesma cama. Na cena em que Frances embaralha o tabuleiro de gamão por que provavelmente estava perdendo, mostra como Frances ainda está presa na adolescência e se recusa a crescer.
A vontade de não crescer é reforçada na cena seguinte quando Frances termina um relacionamento ao se recusar a mudar para o apartamento do namorado pra não deixar a amiga na mão. E o primeiro grande desencontro do filme acontece quando na cena seguinte, Sophie decide de uma hora pra outra se mudar para a sua “rua preferida” de Nova York, mesmo que isso signifique deixar Frances sozinha.
Mesmo na adversidade, Frances demonstra um otimismo incorrigível, ao sair para comemorar o recebimento de uma restituição de imposto, ou ainda ao sair correndo e dançando pelas ruas da cidade ao som de “Modern Love”, de David Bowie, ao arrumar um novo lugar pra ficar com Lev e Benji. Esta é sem dúvida uma das mais belas cenas do filme.
A verdade é que em todos os momentos do filme em que Frances aparece dançando, nota-se que ela não tem o perfil, ou o talento para ser uma bailarina profissional. O que faz o sonho dela de ser aceita pela companhia de dança um sonho quase impossível. Assim como Benji passou a chamá-la de “inamorável” (undatable) resume bem a personalidade de Frances, de ter carisma demais pra ser rejeitada, mas não ser boa o suficiente para alcançar os objetivos.
Na longa seqüência de férias, quando ela volta para a casa dos pais é possível entender o quanto virar bailarina era importante pra ela, uma vez que ela tinha um lar estruturado, com pais que a amavam e provavelmente queriam que ela continuasse ali por perto. Mas fica óbvio que apesar de sua tristeza no aeroporto ao ir embora, ela queria mesmo vencer na big apple, assim como cantou Frank Sinatra.
Na volta das férias, ela se decepciona mais uma vez com a falta de cumplicidade da amiga Sophie que vai se mudar para o Japão e sequer a avisou, e então decide fazer uma viagem rápida para Paris e com certeza protagoniza uma das piores viagens de férias de todos os tempos, colecionando uma série de desencontros, um atrás do outro.
Mas é na volta de Paris que ela recebe a pior das notícias, o que ela achou que seria sua promoção para o corpo do balé, se mostrou ser uma grande decepção na forma de um convite para um trabalho burocrático. A partir daí, ela passa a se parecer mais ainda com Holden, tendo que mentir descaradamente por puro orgulho, para não transparecer o fracasso pelo qual estava passando.
Depois de quase chegar ao fundo do poço ao voltar para um alojamento da faculdade e ter que aceitar empregos menos nobres para se manter, Frances começa um pouco da sua redenção ao reencontrar Sophie que voltou do Japão e procura o ombro da amiga para se consolar de seu infeliz casamento.
Diferente de uma comédia romântica, o filme não termina com Frances encontrando um príncipe encantado, ela nem mesmo tem um namorado. Termina com ela tendo um primeiro sucesso profissional ao coreografar uma peça de dança que é assistida por diversos dos amigos dela que aparecem durante o filme. A peça é aparentemente bem recebida e a cena seguinte a mostra se mudando para um novo apartamento, de certa forma remete ao fato dela finalmente ter se encontrado. Isso significa que ela amadureceu e decidiu enfrentar de frente os encargos da vida adulta? Bom, mais ou menos.
A última cena é um belo resumo da obra. Frances prepara um pedaço de papel com seu nome pra colocar na caixa do correio, mas o papel ficou muito grande. Ao invés de preparar outro papel com o tamanho certo, ela simplesmente rasga o primeiro cortando seu sobrenome ao meio. Pode não ter sido a decisão mais correta a se tomar como várias que ela teve ao decorrer do filme, mas o que importa é que está funcionando para Frances. E só aí o título do filme é explicado, na penúltima cena do filme, por que na última, Frances aparece encabulada rindo da nossa cara. Ha Ha!
Frances Ha (2012, EUA) Dirigido por Noah Baumbach. Escrito por Noah Baumbach e Greta Gerwing Elenco: Greta Gerwig, Mickey Summer, Michael Esper, Adam Driver e Michael Zegan
Referências
Frances Ha (IMDB)
http://www.imdb.com/title/tt2347569/?ref_=fn_al_tt_1
Frances Ha (Wikipedia)
http://pt.wikipedia.org/wiki/Frances_Ha
Acossado
http://www.imdb.com/title/tt0053472/?ref_=fn_al_tt_1
Jean-Luc Godard
http://pt.wikipedia.org/wiki/Jean-Luc_Godard
Manhattan
http://www.imdb.com/title/tt0079522/?ref_=nv_sr_4
Woody Allen
http://pt.wikipedia.org/wiki/Woody_Allen
O Apanhador no Campo de Centeio
http://pt.wikipedia.org/wiki/Apanhador_no_campo_de_centeio
J.D.Salinger
http://pt.wikipedia.org/wiki/J._D._Salinger
Mumblecore
http://pt.wikipedia.org/wiki/Mumblecore
Funny Ha Ha
http://www.imdb.com/title/tt0327753/?ref_=fn_al_tt_1
Georges Delerue