Luis Buñuel costumava ter o hábito de atacar diretamente a classe média alta em seus filmes, além de criticar instituições sociais. Essas características apareceram de maneira explícita em obras como “A Idade do Ouro”, “O Anjo Exterminador”, “O Discreto Charme da Burguesia”, entre outras. Isso custou certas críticas ao diretor e alguns espectadores, ao longo dos anos, sentiram-se fatigados pela repetição da temática. Porém, Buñuel sempre foi grandioso e esse tipo de observação não o impediu de dar continuidade a sua talentosa carreira, fosse com esse mesmo foco ou com outro.
Em 1970, o diretor buscou inspiração no romance homônimo Tristana, do autor Benito Pérez Galdós, e em parceria com Julio Alejandro, desenvolveu um roteiro para dar vida ao drama. E, por fim, Tristana, uma Paixão Mórbida é um filme que se desapega de algumas semelhanças presentes em outras obras anteriores do diretor, cujos focos eram julgamentos fortes e nítidos sobre alguns assuntos. O resultado dessa aventura de Buñuel foi positivo, lhe rendendo diversos prêmios e indicações. Mas não se engane. O diretor pode não ter colocado um bando de burguês nos papéis principais e jogado surrealismo em cima disso (conforme muitas vezes lhe era característico), mas o roteiro não é isento de posturas críticas. Elas apenas, desta vez, não se encontram diretamente na história, no arquétipo de personagens ou em situações com as quais o brilhante diretor costumava trabalhar. Aliás, um aspecto interessante é que o filme gira em torno do drama da vida da protagonista em meio a suas relações amorosas, sendo que logo no início, vemos um ataque impiedoso e indagações de um personagem à união conjugal.
Tristana, a protagonista do filme, é interpretada por Catherine Deneuve, com quem anteriormente, Buñuel já havia trabalhado e conquistado sucesso em “A Bela da Tarde”. Nas primeiras cenas, ela é apresentada ao espectador, que irá acompanhar sua vida, desde a juventude até a velhice. Aqui, Catherine Deneuve deu vida a uma mulher forte, decidida e livre. Como de costume, sua atuação foi brilhante. Tristana é uma jovem órfã que após a morte de sua mãe, fica sob os cuidados do idoso Don Lope. A beleza de moça encanta seu tutor e a relação entre eles se transforma num caso amoroso. Esse envolvimento entre os personagens torna-se um fator determinante para o resto da trama, pois passa a desencadear emoções intensas dentro das quais eles se perdem e essa situação, passa a ser a chave para o desenrolar da história.
Mas a relação entre os amantes é interrompida pela chegada do jovem Horacio, e aí surge a primeira grande revira volta, pois Tristana decide fugir com ele e abandonar Don Lope. Até aqui tivemos uma mulher divida entre dois mundos. Um dos mundos lhe trazia conforto, o outro lhe oferecia aventura. E a protagonista conheceu os dois lados, sem se preocupar, apenas seguindo seus impulsos e sentimentos momentâneos. Dentro de tal contexto, podemos perceber um fundo existencialista na história, pois a personagem se lança em diversas escolhas e, inevitavelmente colhe os frutos de suas decisões (sejam essas consequências boas ou ruins). Após viver algum tempo ao lado de Horacio, Tristana é surpreendida por um tumor na perna. A doença traz a ela certa instabilidade e a faz querer buscar de volta a zona de conforto que deixou pra trás. Ela volta para Don Lope e casa-se com ele mesmo sentindo repúdio pelo homem. Mas afinal, lá havia o conforto, ele lhe trazia estabilidade. No final da história, notamos uma personagem enfraquecida pela velhice e pena doença, vivendo um momento delicado em sua vida. Tristana conhece os limites e se insere numa condição mórbida e decadente que ela própria construiu para si.
É um filme intenso, com reviravoltas e com garantia de emoções. Uma história sobre liberdade e sobre riscos e fins que as escolhas, inevitavelmente, nos propiciam. É mais um excelente trabalho de Buñuel ao lado da encantadora Catherine Deneuve e, talvez consista numa das produções mais profundas e cativantes deixadas pelo diretor ao longo de sua filmografia.