A abordagem narrativa e estética adotada pelo diretor (e roteirista) estreante César Augusto Acevedo em A Terra e a Sombra é tão rígida e inflexível que o longa poderia até ser encarado como um exercício de estilo; mas é justamente essa estratégia que permite que adentremos no cotidiano de seus personagens e testemunhemos momentos absolutamente reveladores de suas humildes existências, o que justifica as decisões tomadas pelo cineasta atrás das câmeras e, no final das contas, convida o espectador a se retirar da sala de exibição profundamente tocado pelos seres humanos que acabou de conhecer e, principalmente, pelas dores, angústias e maus-tratos enfrentados por eles.
O longa tem início com o retorno do velho fazendeiro Alfonso (Leal) ao pequeno rancho de sua família, localizado ao lado do gigantesco canavial onde trabalham sua ex-mulher Esperanza (Soto) e sua nora Alicia (Ruiz) e onde trabalhava seu filho Geraldo (Raigosa), que, profundamente enfermo do pulmão devido a anos de exposição à queima de cana-de-açúcar, morre lentamente em seu leito enquanto a família tenta que seus antigos empregadores lhe forneçam um médico. Rejeitado a princípio, Alfonso logo passa a tentar convencer seus familiares a abandonar aquele local que tanto sofrimento já os causou.
Rodado em locação em meio a uma paisagem igualmente hipnotizante e inóspita, A Terra e a Sombra é uma crítica social afiada e tocante ao capitalismo mais predatório e desumano que há: aquele que explora o trabalho do miserável e não lhe garante sequer as condições básicas para manter uma existência respeitosa e digna, rejeitando-o imediatamente a partir do momento em que não serve mais para produzir lucro às grandes corporações que o escravizam – e nesse sentido, o tom documental adotado por Acevedo transforma o longa como uma janela para o mundo no sentido quase literal empregado por André Bazin.
Acevedo demonstra uma sensibilidade ímpar, aliás, na maneira intrusiva, mas ao mesmo tempo extremamente respeitosa com que penetra a intimidade de seus personagens, permitindo que se desnudem diante de suas câmeras sem invadir sua privacidade, algo que os planos sempre distantes, que variam do geral ao americano, realizam com extrema eficiência – e é impossível enxergar o pequeno elenco amador do filme, que ainda conta com o pequeno e extremamente expressivo Felipe Cárdenaz como o filho de Alicia, como atores interpretando personagens ficcionais, já que seus rostos sofridos e a naturalidade com que transitam aquele universo transbordam uma verdade praticamente impossível de se conquistar em um longa-metragem ficcional.
Repleto de momentos tocantes e trazendo aquele que provavelmente será minha cena favorita no ano em qualquer filme realizado em qualquer país (aquela em que mãe e filho passam longos minutos cinematográficos abraçados no leito de morte do segundo trocando toques e palavras repletas de carinho e tristeza), A Terra e a Sombra é um verdadeiro tour de force do início ao fim; um filme inesquecível que provavelmente custará a ser apagado da minha memória.
A partir de agora, o nome do colombiano César Augusto Acevedo deve ser observado com atenção por qualquer amante do bom Cinema.
A Terra e a Sombra (La Tierra y la Sombra, Colômbia e outros, 2015). Escrito e dirigido por César Augusto Acevedo. Com José Felipe Cárdenas, Haimer Leal, Edison Raigosa, Hilda Ruiz e Marleyda Soto.