COMO GRANDE FÃ DO CINEMA DE DANNY BOYLE, confesso que nunca imaginei como seria ver um dos meus diretores favoritos comandando um roteiro escrito por Aaron Sorkin, vencedor do Oscar por A Rede Social e responsável por uma das melhores séries de todos os tempos Studio 60. O cinema de Boyle é elétrico demais para o estilo refinado dos roteiros de Sorkin, que mais uma vez trabalha com um gênio da comunicação e adapta a principal biografia de Steve Jobs para os cinemas. Esse choque poderia ter dado muito errado. Poderia.
Quando a gente fala sobre nossos ídolos do cinema existe um brilho no olhar e uma necessidade de defender a qualidade individual de cada um com unhas e dentes. Faço isso sempre que escuto críticas ao ótimo Quem Quer Ser Um Milionário? ou A Praia, obras que costumam ser contestadas sempre que o assunto da mesa é Danny Boyle – mas podia ser pior se falassem do subestimado Por Uma Vida Menos Ordinária. Steve Jobs é um tipo de retorno do cineasta para o cinema “sob efeito de ecstasy”. E desta vez isso não acontece graças à montagem e cortes rápidos, mas ao roteiro sagaz e cheio de diálogos de Aaron Sorkin.
Steve Jobs é dividido em três partes com os lançamentos do Macintosh (1984), Next (1988) e o iMac (1998). Toda a narrativa se passa durante os três grandes eventos da carreira do visionário da Apple e temos que ficar espertos o tempo inteiro para acompanhar os diálogos, já que são através das conversas dos protagonistas que nós entendemos o que está e o que ainda vai acontecer, além de ter um pouco de ideia do que ficou no passado. Essa opção de Boyle dá todo o protagonismo da obra para o roteiro de Aaron Sorkin. Logo nos minutos iniciais me senti como se estivesse no ringue disputando uma luta com Apollo Creed e tivesse ficado grogue com os golpes: é MUITA informação jogada como socos em nossa cabeça. O ritmo é tão elétrico que Boyle usa e abusa de planos sequência da personagem de Kate Winslet sendo uma sombra para Michael Fassbender. Tudo isso para nos fazer entrar no clima e sentir a pressão daqueles eventos.
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Um dos temas abordados no longa-metragem é a paternidade. Na primeira parte, em 1984, Jobs age de maneira grosseira ignorando as suas responsabilidades e arcando com uma infeliz declaração para a revista TIME. No momento seguinte, com a filha entrando na adolescência, ele já a reconhece. Percebemos que ainda existe um pouco de resistência em ser mais que o pai ausente que aparece apenas para enviar dinheiro, mas ele está lá ao lado da filha e tentando entender como é que funciona essa coisa de ser pai. É curioso notar como o roteiro é sábio ao inserir esses conflitos tão sérios no meio de um acontecimento profissional super importante, além de adicionar os conflitos de Jobs com pessoas que trabalharam com ele no passado. Cada tema possui o seu espaço e nenhum deles é ofuscado pelo outro, e a parte mais importante cada elemento apresentado em cena encontra uma resolução durante o seu ato final. De uma ameaça para um funcionário para um desenho feito no paint, tudo reaparece para assombrar Jobs e deixar o espectador satisfeito com a sensação de que tudo foi concluído.
O Steve Jobs de Michael Fassbender não tenta fingir ser um santo. Ele é um cuzão consumido pelo desejo de inovar, independente que isso signifique passar por cima de outras pessoas, mentir, ameaçar, manipular ou simplesmente ser um babaca grosseiro. Fassbender dominou a história de Jobs e seus trejeitos para trabalhar com intensidade e colocar para o espectador que nenhum grande gênio é conhecido pelos mais próximos como uma pessoa de grande coração. É legal que o filme não disfarce isso, mas ao mesmo tempo não o transforme completamente num monstro insensível, como é mostrado na reconciliação com a filha (ainda que tudo possa não ter passado de um golpe para disfarçar o momento em que ele pensou em inventar o iPod).
Joana (Winslet) se torna a alma da cinebiografia com uma naturalidade incrível. Ainda que todo o filme seja sobre o legado de Steve Jobs, é Joana quem se destaca por ser mais que uma sombra silenciosa. Eficiente e sutil, Winslet constrói uma personagem que vai aguentando a pressão e o seu próprio sofrimento até chegar num ponto em que não consegue mais ficar em silêncio e obriga o seu chefe a tomar uma atitude sobre a relação com a filha. Os fãs da atriz certamente ficarão contentes em receber mais um belo trabalho depois alguns anos devendo atuações de qualidade. Ainda no elenco, Jeff Daniels e Seth Rogen são coadjuvantes de luxo que recebem a devida importância quando estão em cena e só.
Steve Jobs é uma obra espetacular que apaga a má impressão deixada pelo medíocre filme estrelado por Ashton Kutcher há alguns anos e apresenta o homem por trás das principais revoluções tecnológicas dos últimos anos com justiça. Mesmo que as semelhanças do roteiro com A Rede Social atrapalhem um pouco a nossa imersão, não há como negar que essa inusitada parceria de Danny Boyle e Aaron Sorkin funcionou muito bem. Para todos aqueles que buscam mais que uma cinebiografia, Steve Jobs é uma pedida e tanto.