Dois filmes não bastaram. Hollywood quis fazer mais um, desta vez com uma equipe estelar, a fim de finalmente fazer um filme sobre o co-fundador da Apple ser adorado e um sucesso de bilheteria e prêmios. Por que não juntar Aaron Sorkin e Danny Boyle e atores como Michael Fassbender, Kate Winslet, Jeff Daniels e Seth Rogen? Bom, para mim não funcionou. Steve Jobs (EUA, 2015) é uma adaptação ousada e fantástica tecnicamente, mas falha ao focar, mais uma vez, na faceta negativa do protagonista e terminar com cenas clichês e extremamente contraditórias a tudo o que foi feito até então.
Antes de começar a crítica, preciso deixar claro que a nova versão sobre o homem não tem compromisso nenhum com fatos e maneirismos. Temos aqui um roteiro que tenta mostrar quem Jobs foi por meio de diálogos contínuos antes das apresentações de três grandes produtos de sua carreira: o Macintosh (1984), o Next (1988) e o iMac (1998). Praticamente todos aqueles diálogos não existiram e muitos dos temas discutidos não foram interpretados de maneira verdadeira. Ou seja, o que Sorkin quis fazer era dramatizar a vida do gênio da tecnologia, sem compromisso com a veracidade.
Infelizmente, mesmo sabendo disso, o aclamado roteirista não conseguiu um resultado positivo com sua ideia. No papel, ela é extremamente original e cativante, bastante teatral e meio “Birdman”, mas quando a vemos sob a eletrizante direção de Boyle não temos nada além de conversas e brigas que mostram o Jobs que já vimos em Jobs (2013) e Piratas do Vale do Silício (1999): um homem difícil, temperamental, genial e grosso. A partir daí que o longa começa a decepcionar.
Quem conhece Jobs por meio da mídia provavelmente pensa que ele devia ser um homem aterrorizante, mas com base em depoimentos de quem o conheceu pessoalmente (basta jogar no Google), vemos que ele era mais do que isso e também tinha o seu lado amável, divertido e bondoso. A participação da filha Lisa (Perla Haney-Jardine) em cada um dos três momentos da história tenta humanizá-lo de alguma forma, algo que seria um diferencial aqui, só que as reações robóticas dele diante dela jamais nos convencem de que ele sente algo por ela. Fassbender está perfeito nas demais cenas, mas onde ele tinha que se distinguir ele falhou. Seu Jobs não cativa, ele nos distancia do homem.
Outro problema grave do enredo é o terceiro ato, o qual, coincidentemente, mostra Jobs como a figura à qual nos acostumamos a ver, com as calças jeans e blusa preta tradicionais e seu marcante carisma nas apresentações da Apple. Porém, enquanto nos aproximamos visualmente dessa pessoa e seu comportamento, as decisões do roteiro vão para o outro lado. Se nos dois capítulos anteriores vimos Sorkin colocar o personagem como um chefe complicado, arrogante e desagradável, agora ele se contradiz totalmente e tenta finalizar a produção santificando Jobs, numa espécie de happy ending, a meu ver.
Do nada, ele vira um pai bom, que reconhece os erros, faz as pazes com John Sculley (Daniels) e quer a filha perto dele. E a maneira como Boyle faz isso é ainda pior, especialmente na última sequência: várias luzes e flashes no homem, foco no rosto da filha emocionada, sorriso de Jobs para ela, entre outros detalhes desnecessários. Forçado.
Em outras palavras, o indivíduo em si não só é mal explorado – especialmente seu relacionamento conturbado com a filha, o qual tem um desfecho pobremente desenvolvido -, como a conclusão tenta torná-lo um mártir poucos anos antes dele lançar o iPod e falecer uma década depois. Por que o roteirista do genial A Rede Social (2010) não manteve, pelo menos, a linha que seguiu na hora anterior do filme? Seria um retrato ainda incompleto, mas pelo menos respeitando tudo o que já havia sido construído até então.
História à parte, Steve Jobs é beneficiado por um elenco de alto calibre, com destaque para Joanna Hoffman (Winslet), chefe de marketing da Apple que é a pessoa mais próxima dele no filme e compartilha grandes cenas com o mesmo. Mesmo faltando o sotaque polonês da verdadeira Hoffman, Winslet brilha, talvez até mais que Fassbender para ser sincera, pois consegue nos comover com as atitudes da personagem; esta sim tem seu lado mais humano igualmente aprofundado ao profissional e bem expresso na tela. Se tem uma personagem que conquista o público é a de Winslet.
Outro que se destaca é Andy Hertzfeld (Michael Stuhlbarg), que vai de funcionário ameaçado por Jobs por não conseguir fazer o computador falar “Olá”, para o amigo da família que paga o semestre de Harvard para Lisa. O ator está excelente em todas as cenas em que aparece, coisa que também se repete com Daniels. Seth Rogen não fica muito atrás, vale ressaltar.
No fim das contas, é uma pena que um filme tão promissor, com uma equipe tão boa e uma montagem impecável, falhe no seu personagem central e opte por um desfecho sem criatividade e falso. Não foi desta vez que Hollywood fez um filme que faz jus a Steve Jobs. Aguardamos o quarto.