Crítica: Segundas Intenções (1999)

RELEITURA DO CLÁSSICO DA LITERATURA FRANCESA LES LIAISONS DANGEREUSES (que já havia sido adaptado em Ligações Perigosas, de 1988, com Stephen Frears na direção), de Pierre Choderlos de Laclos, Segundas Intenções é um daqueles filmes que a maioria dos adolescentes dos anos 1990 deu um jeitinho de assistir sozinho. Enquanto comédias como American Pie transformam o sexo em algo engraçado e até tosco, a obra de Roger Kumble foi num caminho totalmente inverso e mostrou o quanto a sedução é provocante.

Estrelado por um grupo de jovens atores ainda em começo de carreira, como Reese Whitespoon, Sarah Michelle Gellar, Ryan Phillippe e Selma Blair, a trama apresenta a história de um casal de “irmãos” que se divertem com conspirações para destruir vidas de outros jovens que cruzam os seus caminhos. Enquanto Sebastian (Phillippe) é um sedutor que transou com praticamente todas as alunas da escola, sua irmã Kathryn (Gellar) mantém as aparências de boa, recatada e do lar, mas ainda mais depravada. A dupla faz uma aposta sem noção envolvendo a inocente Annette (Whiterspoon), uma garota virgem que se torna o novo alvo de Sebastian.

Além da questão do romance e sedução, a obra produz algumas críticas bem interessantes e atuais. A psicopata vivida por Gellar reclama do mundo machista. Ela pode observar o irmão comendo todas as garotas, mas se ela fizer o mesmo se tornará uma vadia. Chega até a reclamar que todos os seus pretendentes acabaram trocando a sua cia por uma “bobinha qualquer”. Podemos até afirmar um pouco de moralismo nessa personagem, já que ela tenta ensinar a inexperiente Cecile (Blair) a transar com qualquer um e se revela como a grande vilã. É quase como se o roteiro quisesse incriminar Kathryn por sua fome sexual acima do seu péssimo caráter.

Apesar da pouca profundidade no personagem para convencer o espectador de seu talento para a sedução (já que fisicamente isso é bem questionável), Sebastian não se compromete. Seu intérprete parece trabalhar na linha tênue de se levar à sério ou aceitar a pretensão do projeto, e isso nos diverte. Já Kathryn poderia ser uma vilã ainda mais poderosa, caso o roteiro tivesse inteligência para investir nisso. Na pele de uma psicopata vingativa e interessada apenas em causar estrago na vida das pessoas ao seu redor, Sarah Michelle Gellar é a responsável pelas duas melhores cenas: quando beija Selma Blair ao som de “Coffee and Tv”, do Blur, e nos minutos finais, quando ouvimos a épica “Bitter Sweet Symphony”, do The Verve.

Segundas Intenções é praticamente um imenso vídeo musical com inúmeras cenas com canções de bandas de rock da época. Ouvir “Every me, Every You”, do Placebo, logo na introdução já serve como uma garantia de que o longa-metragem certamente não será um desperdício de tempo. Isso, claro, se você gostar de rock alternativo. Se não curtir, pode se divertir com a atmosfera cheia de safadeza para menores de 18 anos…

E isso é algo que não falta em Segundas Intenções. A ausência de nudez gráfica é sabiamente substituída por insinuações que mexem muito mais com as mentes de pessoas criativas. Independente do filme não ser lá tão inteligente e profundo assim, o roteiro consegue ser picante na dose certa com um certo flerte com a ingenuidade de determinados personagens que aparecem em cena.

Uma curiosidade sobre o elenco: Sarah Michelle Gellar havia contracenado com Ryan Phillippe no terror Eu Sei o Que Vocês Fizeram no Verão Passado, de 1997, e depois atuou ao lado de Selma Blair nas adaptações live action de Scooby Doo. Já Reese Whiterspoon reencontraria Selma Blair em Legalmente Loira 2, de 2001.

Produção obrigatória para quem era um adolescente nos anos 1990, Segundas Intenções é entretenimento de primeira para passar uma noite à dois. Excelente pedida para o inocente “Vem ver filme aqui em casa…” Ele está incluído entre os nossos 51 melhores filmes com psicopatas de todos os tempos.