São diversas as razões que costumam motivar um remake em Hollywood. Em muitos casos a questão é técnica, já que existem clássicos que, por mais eficazes que tenham sido em suas épocas, conseguem ser enxergados de maneira muito mais próxima da concepção de seus autores originais graças ao auxílio da tecnologia (King Kong, de Peter Jackson, A Fantástica Fábrica de Chocolates, de Tim Burton e Guerra dos Mundos, de Steven Spielberg são alguns bons exemplos). Já em outros, é o próprio filme original como narrativa que ficou datado e necessita de uma reinvenção (Scarface, de Brian de Palma, Onze Homens e um Segredo, de Steven Soderbergh). Até mesmo uma simples adequação a determinado idioma pode resultar em um novo filme (Violência Gratuíta, de Michael Haneke). Pois essa nova versão de Robin Hood não se encaixa em nenhum desses grupos, já que, ao final das mais de duas horas de projeção, continua sendo difícil enxergar uma necessidade real para o filme existir.
Sem se decidir se quer ser o novo Robin Hood ou o novo Gladiador, essa quinta parceria entre o diretor Ridley Scott e o ator Russell Crowe (os dois trabalharam juntos em Um Bom Ano, O Gângster, Rede de Mentiras e… claro, Gladiador) não passa de uma grande coleção de convenções do gênero, com um enredo esquemático e extremamente maniqueísta.
Situado no final do século XII, quando a Inglaterra sofria graves problemas sociais enquanto o popular rei Ricardo Coração de Leão se ausentava das dificuldades do país para lutar nas Cruzadas, o trio de roteiristas (que juntos já participaram da criação de obras tão distintas quanto o ótimo Sobre Meninos e Lobos, o mediano Kung Fu Panda e o horroroso O Devorador de Pecados) se propõe a narrar como Hood se tornou o lendário herói que tirava dos ricos para dar aos pobres, e, ao longo do processo, liga várias vezes o botão do Deus ex machina, enchendo a trama de coincidências absurdas a fim de amarrar uma ponta na outra, tornando-a, dessa forma, desagradavelmente artificial. Perceba, por exemplo, que a hitória toda e o próprio destino de Robin como nós o conhecemos há tanto tempo dependem de seu encontro absolutamente casual com um homem à beira da morte e, mais do que isso, de sua decisão de realizar o seu último desejo abandonando atividades muito mais importantes em meio a uma guerra – o que, apesar de inverossímil, reforça as qualidades unidimensionais do protagonista: honra e lealdade. (Já ouviu isso em algum lugar?)
Crowe, aliás, liga o piloto automático e transforma Hood em nada mais que uma versão de Maximus: um homem rude e determinado, com um forte senso de justiça e lealdade incondicional a uma mulher. Porém, aqui, o ator encarna um sujeito muito menos carismático, não nos permitindo identificação alguma com ele. E uma boa prova disso é comparamos a cena em que tomamos conhecimento de um fato importante do seu passado com a que víamos Maximus se deparando com sua família massacrada. Por mais que não gostássemos do filme, era impossível controlar a emoção, enquanto aqui, tanto faz.
Mas muito pior do que isso é a forma frágil com que o roteiro desenvolve o relacionamento entre Robin e Marion (Blanchett). Provavelmente inspirado em Malhação, o casal troca olhares sugetivos desde o primeiro instante, além de serem colocados em situações embaraçosas do tipo: “Ela o ajuda a trocar de roupa e fica interessada”, ou ainda: “Eles tem que fingir que são casados e acabam se apaixonando”. E por mais ridícula que seja a forma com que os dois se aproximam, eu jamais poderia esperar o “Eu te amo” de Robin ao sair para a batalha final. Nessa hora eu confesso que me encolhi na cadeira de vergonha alheia pela total falta de sensibilidade do texto e pelo tamanho do “mico” que atores de tamanha qualidade foram obrigados a pagar.
E as falhas não ficam restritas ao roteiro. Com raríssimos momentos inspirados como na bela cena em que Scott utiliza um close-up em Crowe e outro na flecha saindo do arco seguido por um travelling que a acompanha até atingir o seu alvo, o diretor se limita a uma direção burocrática e preguiçosa. E se por um lado chega a ser um alívio as cenas de batalha serem visualmente um pouquinho (mas bem pouquinho mesmo) mais compreensíveis que as de Gladiador, por outro é decepcionante que apesar dos cerca de mil anos que separam uma história da outra e das óbvias diferenças geográficas, tantas paisagens remetam tanto às daquele longa de 2000.
Ao mesmo tempo, os motivos dignos de elogios se empalidecem. Afinal, por mais surpreendente que seja o cuidado da direção de arte em colocar camundongos subindo à mesa de comida demonstrando a busca pelo perfeccionismo na recriação de época, é impossível não reconhecer o quão dependente o filme é de certos recursos artificiais, como a insistente e pouco inspirada trilha instrumental, que tenta de todas as formas conferir ritmo ao que está sendo mostrado na tela, se mostrando desconfortável e desajeitadamente ineficaz, já que, na maioria das vezes, não há nada de realmente interessante acontecendo.
Contendo um discurso aborrecido sobre liberdade que perde ainda mais a sua força se comparado àquele proclamado por Mel Gibson em Coração Valente, o terceiro ato fecha a trama com uma pequena reviravolta que soa absolutamente forçada e desonesta, e que acaba se estabelecendo como a prova cabal de que o filme não conquistou os seus espectadores. Afinal – e não leia o restante desse parágrafo caso ainda não tenha assistido ao filme -, o roteiro (assim como acontece em O Livro de Eli), dá um jeito absurdo de levar Marion a se juntar inexplicavelmente ao “exército” de Robin com o único objetivo de simular a sua morte, somente para, após alguns minutos, mostrá-la viva novamente sem nenhuma explicação. Enquanto isso, os bravos espectadores que ainda se mantém acordados, não deixam de olhar para a tela com uma inerte expressão de: “E daí?”
Frouxo, esquemático e incrivelmente chato, Robin Hood é mais uma das inúmeras refilmagens rodadas pelo cinema americano nos últimos tempos. Com sua forte campanha de marketing, milhares de salas de exibição e apostando no conhecimento prévio do seu herói por parte do público, Ridley Scott pode até assegurar uma boa quantidade de milhões para os cofres da Universal e para o próprio bolso, o que, pensando bem, não deixa de ser uma boa explicação para os motivos que levaram o projeto a sair da gaveta.
14 de Maio de 2010.