A Exploração Espacial volta a nos tornar aventureiros – navegantes pioneiros – em busca do desconhecido
Desde que em 1877 o astrônomo Giovanni Schiaparelli observou os “canais de Marte”, a humanidade passou a prestar mais atenção nesse nosso vizinho. Por ironia do destino, sabemos hoje que Marte é o único planeta (conhecido por nós) habitado apenas por robôs (Spirit, Pathfinder e Curiosity) e agora NASA e Hollywood fazem todos os olhos se voltarem para Marte novamente.
Perdido em Marte (The Martian) de Andy Weir é provavelmente o melhor livro que li nos últimos cinco anos e, por esta qualidade reconhecida, talvez tenha sido o motivo do aclamado diretor Ridley Scott adiar seu projeto de realizar a continuação de Prometheus para adaptá-lo às telas.
O astronauta Mark Watney (Matt Damon) é enviado a uma missão em Marte. Após acidente decorrente de uma severa tempestade, ele é dado como morto. Abandonado pelos colegas, ele acorda sozinho no misterioso planeta com escassos suprimentos, sem saber ao certo com sobreviver até que uma longínqua missão de resgate aconteça.
É fácil notar na história os primórdios aventureiros de Robison Crusoé, romance clássico do escritor inglês Daniel Defoe publicado em 1719, só que em solo marciano. Fica nítida também a influência do filme baseado no acidente ocorrido com a Apollo 13, uma verdadeira jornada de heróis mostrando a trajetória da NASA – da tragédia ao triunfo. Depois que passa a novidade da exploração da Lua, só mesmo um desastre e a imprensa sensacionalista para fazer com que o público volte a interessar-se pela conquista espacial.
O grande trunfo do filme, como também aconteceu com Gravidade de Alfonso Cuarón, é ir além da mera história de sobrevivência como Mar Aberto, 127 Horas, Náufrago e tantos outros. A partir da situação hostil inicial que o astronauta se encontra, uma sequência de acontecimentos se desenrola em ótimas cenas de ação, suspense, drama e até comédia sarcástica com as inúmeras referências à cultura popular de nosso tempo e ao atual estágio de exploração de Marte.
O roteiro segue o clássico formato da jornada do herói, com um protagonista tendo um chamado à aventura a contragosto, mas enfrentando os desafios uma vez estando fora do lugar comum, tendo ainda momentos de fraqueza diante das dificuldades. No entanto, o maior pecado do filme foi exagerar nos alívios cômicos, fazendo parecer que a luta pela sobrevivência do protagonista não passasse drama suficiente para o espectador.
O audiovisual do filme é muito bem implementado, com destaque para o cenário naturalmente vermelho de Marte, ajudando a construir o background de solidão e da batalha pessoal que o protagonista estava travando para continuar vivo (lembrando que Marte é o deus da guerra na mitologia romana). Na trilha sonora temos a predominância da Disco Music funcionando muito bem como alívio cômico. Os destaques ficam para “Starman”, de David Bowie e “I Will Survive”, de Gloria Gaynor – que só pelo título já se justificam.
A atuação de Matt Damon como protagonista merece elogios. Ele pegou o espírito do personagem que utiliza o sarcasmo como um mecanismo de defesa sem pender para arrogância, mas ao mesmo tempo, seu desempenho não é digno de premiações ou mesmo indicações. Demais atores que merecem destaque são: mais um personagem forte de Jessica Chastain interpretando a Comandante Lewis e o austero Jeff Daniels como diretor da Agência Espacial Americana.
É muito interessante ver um filme de ótima qualidade utilizando-se de conceitos reais de desenvolvimentos de sistemas de alta confiabilidade como: redundâncias, segregação, separação e qualificação ambiental como elementos narrativos de uma história de ficção científica. Esses elementos não são simplesmente jogados para o espectador de qualquer forma, eles realmente ajudam a contar filme.
Zona de Spoilers
O final alegre comprova que o filme é uma grande aventura espacial. Perdido em Marte é filme pronto para agradar todos os públicos, mas devo reforçar que os fãs de hard sci-fi vão preferir a precisão das descrições técnicas do livro.
As cenas de início dos créditos, mostrando a continuidade da missão Ares, assim como a recente divulgação de evidências de água corrente no estado líquido em Marte reforçam a teoria de que a parceria entre estúdio e agência espacial foi muito além da consultoria técnica, e que ambos ajudaram-se mutuamente ao divulgar tanto o filme quanto as atuais missões de colonização de Marte.
A principal mensagem do filme, de que as pessoas do mundo inteiro precisam se unir caso queiram que a humanidade evolua, foi um pouco ofuscada pelas piadas finais contadas por Mark Watney em sua palestra de volta a NASA, mas ficaram implícitas na representatividade de gêneros e raças dos responsáveis por resgatar o astronauta com vida.
Apesar de ainda existir muita gente que acha a exploração espacial uma tremenda perda de tempo e dinheiro, ignorando a quantidade de empregos diretos e indiretos envolvidos nos projetos, além do desenvolvimento de tecnologia de ponta, só mesmo a exploração espacial será capaz de fazer com que continuemos a evoluir como humanidade, desvendando mistérios do nosso passado e apontando o caminho que deveremos seguir no futuro. Pois no dia em que perdermos o interesse em explorar o desconhecido… Seremos fatalmente extintos.
Informações Técnicas
- Diretor: Ridley Scott
- Roteiro: Drew Goddard, Andy Weir
- Trilha Sonora: Harry Gregson-Williams
- Diretor de Arte: Dariusz Wolski
- Edição: Pietro Scalia
- Gênero: Ação, Aventura, Ficção Científica
- Ano: 2015
Trailer
Texto inicialmente publicado no Art Perceptions