Filme: A Garota Dinamarquesa

A Garota Dinamarquesa 2015
QUERO SER BEM SINCERO E DIZER QUE DETESTO TOM HOOPER. Sou uma criatura rancorosa que nunca será capaz de suportar o resultado do Oscar 2011, que preferiu premiar o cineasta do que o espetacular trabalho de David Fincher em A Rede Social. Os anos passam (mas a frutração não) e que surpresa é descobrir que até mesmo um charlatão é capaz de produzir algo com um mínimo de sentimento, como é o caso do belo A Garota Dinamarquesa (Danish Girl).

O que diferencia esse filme de O Discurso do Rei e (principalmente) Os Miseráveis é que o enorme ego que o cineasta usa para compensar a falta de presença em outras áreas está contido. Praticamente não existe. Com isso, o elenco possui liberdade de mostrar sua eficiência sem se preocupar com os riscos de parecerem criaturas extraterrestres por causa dos ângulos excêntricos tradicionais (e desconfortáveis) do estilo de Hooper. Fora os últimos momentos de A Garota Dinamarquesa, cheio de cortes rápidos que dificultam a absorção da atuação de Alicia Vikander naquela cena, escrevo que contrariando as expectativas, Hooper acertou na mosca.

Eddie Redmayne chega credenciado pelo Oscar de Melhor Ator em A Teoria de Tudo, em 2015, e consegue uma atuação tão intensa quanto a de Stephen Hawking. E isso não é pouca coisa. Se ele entrar na disputa pelo Oscar pelo segundo ano consecutivo, será um candidato muito forte e bem superior aos trabalhos realizados por Michael Fassbender (Steve Jobs) e Matt Damon (Perdido em Marte), por exemplo. Redmayne consegue criar uma mulher delicada a partir da sua expressão corporal e olhares tímidos de quem prefere ouvir do que falar. A transformação natural que acompanhamos do homem para a mulher é impressionante.

O roteiro, baseado no livro de David Ebershoff , acerta ao criar um estudo de personagem fascinante do que se passa na cabeça de Einar/Lili. Primeiro temos cenas angustiantes em que ele consulta médicos e ouve os diagnósticos mais assustadores e preconceituosos (ainda que tenha sido um pouco, veja bem: um pouco, engraçado a cena em que ele precisa fugir pela janela do médico que o considerou esquizofrênico). Já em outro momento, quando Einar/Lili aceita que nasceu num corpo errado, temos essa transformação completa e Redmayne consegue nos convencer que seu personagem está aliviado por finalmente ter a chance de encontrar a sua paz.

No entanto, existe uma certa ambiguidade no título A Garota Dinamarquesa. O mais óbvio seria pensar que se trata exatamente de Einar/Lili, mas tenho meus motivos para acreditar que o título diz respeito para a esposa Gerda (Alicia Vikander). Assim como acontece em A Teoria de Tudo, Redmayne contracena com uma atriz que faz um trabalho excepcional para estar à sua altura. Felicity Jones está ótima na cinebiografia de Stephen Hawking, mas nem perto do que Vikander atinge na obra de Tom Hooper. Sem nenhuma oscilação histérica ou exagerada, a atriz nos emociona com a humanidade que trata a desconfortável situação em que se encontra. Quando ela chora, parte o nosso coração junto. Assim como sua alegria nos contagia. Se Eddie Redmayne não fosse um ator com um talento sinistro para linguagem corporal, não teria a menor dúvida em dizer que a verdadeira garota dinamarquesa é a personagem de Alicia Vikander. Que atriz.

É isso. Está escrito, está publicado. Ainda sou um hater, mas Tom Hooper me surpreendeu ao retratar a história real da primeira pessoa a se submeter a uma cirurgia de mudança de sexo com a sutileza que esta merecia. Contando com essa improvável e inesperada inteligência de Hooper em podar seus excessos megalomaníacos, Eddie Redmayne e Alicia Vikander ficam livres para serem intensos e cativar os espectadores com essa emocionante produção.