A FRANQUIA ROCKY INICIOU SUA VIDA NOS CINEMAS EM 1976, quando John G. Avildsen comandou um roteiro escrito por Sylvester Stallone e levou para casa 10 indicações ao Oscar, sendo que venceu a estatueta em Filme, Direção e Montagem. Depois do sucesso do primeiro filme, que também deu uma indicação dupla para Stallone (roteiro e ator), acompanhamos mais cinco continuações até chegarmos ao ano de 2015 e a “continuação” disfarçada de “reboot” Creed – Nascido Para Lutar (Creed), de Ryan Coogler.
Dessa nova safra de reboots/continuações (Jurassic World, O Exterminador do Futuro 5, Férias Frustradas e Star Wars: O Despertar da Força), arrisco dizer que Creed seja a mais original e honesta. Ela não apenas incorpora uma nova narrativa em cima de algo que já era familiar para o público (leia-se como garantia de bilheteria), como consegue inserir velhos elementos sem parecer uma cópia (ao contrário da maioria das “homenagens” de O Despertar da Força). Momentos como o treinamento correndo atrás da galinha, o trabalho de montagem com a passagem de tempo do boxeador treinando em duas academias (uma delas destruída pelo tempo e mostra um maior espírito coletivo; a outra mais moderna e escancarando a individualidade e as dificuldades de encontrar seu espaço), a corrida de moletom cinza e a subida das escadarias de um dos principais pontos turísticos da Filadélfia se tornaram parte essencial desse universo e Creed sabe usar isso ao seu favor com naturalidade.
Adonis Johnson (Michael B. Jordan) aparece em cena numa condição bastante diferente daquela em que somos apresentados para Rocky Balboa, em 1976. Se Rocky era um lutador amador que levantava uma grana trabalhando de capanga para um agiota nos subúrbios da Filadélfia, Adonis é um cara que viveu num ambiente privilegiado e que simplesmente abandona a estabilidade financeira para dar uma chance para o tal do “eye of the tiger” que o seu pai tanto martelou na cabeça de Rocky em Rocky III. Existe muito conflito, muita raiva e rancor em Adonis, e ele prefere deixar o conforto para viver bem longe de Los Angeles para tentar se profissionalizar ao lado do antigo rival de seu pai. Essas diferenças sociais e psicológicas cuidam da missão de deixar cada filme com o seu próprio espaço, respeitando o legado de um e permitindo uma estrada livre para o outro iniciar o seu caminho.
Ausente da lista de indicados ao Oscar de Melhor Ator mais uma vez (o que é uma verdadeira injustiça, considerando que Jordan é ao lado de Miles Teller um dos melhores atores jovens em atividade no cinema norte-americano atualmente, vide sua atuação em Fruitvale Station), o trabalho do protagonista é um verdadeiro show. A narrativa apresenta Adonis como um cara brigão e enfezadinho, mas aos poucos vamos mergulhando mais na maneira como Jordan cria o seu personagem e reconhecemos (de uma maneira bem expositiva numa discussão) a verdade sobre ele. A partir desse momento, com as lágrimas de ódio e frustração escorrendo pelo rosto para limpar o seu sofrimento e angústia, temos uma grande prova do quanto esse ator é talentoso e ainda terá as suas oportunidades de convencer a Academia.
Para absorver completamente a atuação de Stallone em Creed recomendo ter bem fresco os filmes anteriores, ou no mínimo Rocky: Um Lutador e Rocky Balboa. O Rocky que assistimos em cena conserva a resiliência do boxeador mais querido do cinema, mas também investe pesado no drama do peso da idade. Se em Rocky Balboa já tivemos belas cenas que evidenciavam a tristeza de Rocky lamentando com seu velho amigo e cunhado Paulie a morte da esposa, desta vez ele está sozinho e sem a companhia de nenhum conhecido. Nem o filho está próximo. Quem não tem as obras anteriores frescas na cabeça também consegue identificar a solidão e tristeza do herói, mas certamente não terá a mesma sensação daqueles que acompanharam a “carreira” de Rocky e o consideram como um velho amigo. Stallone não é um ator adorado pela sua interpretação, mas não se surpreenda ao constatar que Ryan Coogler conseguiu tirar o melhor do ator em toda a sua filmografia.
Um dos defeitos da série Rocky (além daqueles malditos flashbacks de série de TV introduzindo cada filme, exceto Rocky Balboa) é a artificialidade das lutas dentro dos ringues. São raros os momentos realmente inspirados (novamente citando o sexto filme) e que nos convencem da veracidade do confronto. No longa-metragem original há a desculpa da luta não significar tanto quanto a preparação e que os closes nos rostos dos boxeadores é mais importante que o confronto em si. Coogler parece ter isso em mente e consegue unir a interpretação de Jordan dando o máximo de si com as melhores cenas de luta de toda a franquia. Mais ainda: o diretor nos transporta para dentro do ringue para sentirmos os golpes e a raiva de cada lutador, os desejos, os medos e a necessidade de se provar digno.
Creed – Nascido Para Lutar é uma bela obra recomendada para homens e mulheres interessados em grandes histórias de superação. Ainda que o novo trabalho não seja capaz de conquistar tanto o público quanto o primeiro Rocky (talvez porque a construção de Adonis não seja tão eficiente quanto a origem de Rocky, o italiano quase miserável que encarnava o espírito do pobre que conseguia a sua oportunidade única de brilhar e se agarrava a isso), se trata, desde já, de um dos melhores filmes lançados nos cinemas brasileiros em 2016, e isso já é um motivo e tanto para ir atrás descobrir por si mesmo se Creed é isso tudo ou vive apenas do legado de Rocky. Ou de Apollo. Sei lá.