O Cinema de Buteco adverte: o texto a seguir possui spoilers e deverá ser apreciado com moderação.
CONVERSANDO COM O CRÍTICO JOAO MARCOS FLORES, do Cineviews e nosso colaborador, perguntei o que ele havia achado de Brooklyn, de John Crawley. Confesso que meu único interesse pela obra era conferir mais um trabalho do escritor Nick Horny como roteirista e desconhecia qualquer detalhe sobre a trama (exceto que era uma história de uma jovem irlandesa que se muda para os Estados Unidos para tentar construir a sua vida e se apaixona). O João não me incentivou a assistir ao filme, digamos assim. Minha expectativa diminuiu e não esperava por nada muito profundo. Para falar a verdade, esse papo todo de filme de época me dá no saco e fui assistir ao longa-metragem munido de boas doses de Activia e Johnnie Walker (para entrar no clima e dizer que estava cagando e andando para o filme). Felizmente, acabei não precisando me entorpecer ou sujar a casa, pois Brooklyn é exatamente o tipo de obra que me interessa: ele trata sobre o amor e o medo de fazer a escolha errada.
Sobre o roteiro de Nick Hornby para o romance original escrito por Colm Toibin em 2009, e considerando que nunca li o livro, é possível identificar um pouco do estilo do cara que criou Alta Fidelidade e Funny Girl. Existem piadinhas muito bem construídas que fazem parte da maneira de Hornby trabalhar as suas obras. O processo criativo dele para adaptar um romance é longo e duro, no qual ele afirma que passa a tentar pensar como o escritor e tem uma oportunidade para trabalhar em cima da obra de outra pessoa e mergulhar naquele universo, e certamente não tomaria certas liberdades, mas não imagino que mal faria usar um pouco do seu talento para “apimentar” algumas das cenas em que Eilis (Saoirsie Ronan) conversa com seu pretendente Tony (Emory Cohen). Por trás da serenidade e maturidade, existe uma Eilis sarcástica e com inteligência o suficiente para disparar pequenas pérolas.
O lance principal de Brooklyn é o conflito que atinge parte das pessoas confusas: dúvida entre optar pelo que nós temos ou pelo que nós desejamos. Por ser uma jovem que deixou toda a sua vida no país natal para se arriscar numa terra desconhecida, Eilis teria justificativas para as suas atitudes e decisões. Ronan constrói uma personagem madura para a pouca idade, mas que ainda luta para construir toda a maturidade necessária para realmente se tornar uma adulta. Portanto, mesmo quando ela reflete sobre assumir ou não uma relação com o seu namoradinho italiano, é como se ainda restassem dúvidas sobre se isso é ou não a melhor coisa para se fazer. Nós percebemos tudo isso nas nuances da atuação de Ronan, que por tantas vezes nos encantou com seus trabalhos anteriores, como Desejo e Reparação e O Grande Hotel Budapeste. A atuação se eleva ainda mais quando a personagem retorna para casa e começa a dar sinais que largaria toda a vida que planejava construir para viver na comodidade de seu país, na pequena cidade em que nasceu e conhece todos.
Aliás, já que estamos falando do elenco, quem literalmente rouba a cena é o pequeno James DiGiacomo, que interpreta o irmãozinho mais novo de Tony. Logo no primeiro encontro de Eilis com a família do seu pretendente, naquela tensão toda que faz a personagem até treinar anteriormente como se come uma boa macarronada sem se sujar de molho, o pirralho escancara os obstáculos culturais entre a família italiana dele e o sangue irlandês dela: “nós não gostamos de irlandeses”. Tony, obviamente, tem vontade de afundar o rosto no prato, mas nós, como meros espectadores se deliciando com o romance que está para nascer, apenas sorrimos diante a sinceridade ácida de uma criança brilhantemente representada. Inclusive, em outra cena importante, o pequeno Frankie nos faz lembrar imediatamente de Chloe Grace Moretz aconselhando Joseph Gordon Levitt em (500) Dias Com Ela. Com a mesma sinceridade que revelou os problemas da família com irlandeses, ele diz que não tem a menor experiência com beijos para escrever uma carta de amor. É apaixonante.
Brooklyn é um belo conto romântico sobre o peso das nossas escolhas e nosso caráter para resistir às tentações que surgem ao longo do caminho que percorremos. Ainda que conte com uma atuação digna de todos os elogios e reconhecimentos recebidos pela crítica especializada, o grande trunfo do longa-metragem é possuir uma alma própria que diminua a pressão em cima da atriz Saoirsie Ronan, que não precisa sustentar todo o filme sozinha, como geralmente acontece em produções menores e com uma performance arrebatadora do (a) protagonista. Brooklyn é um caso de coletivo que deu certo para destacar o trabalho de apenas uma pessoa, mas acaba se revelando bem maior do que isso.