Agora temos uma crítica sem spoilers para Batman vs. Superman.
Os dois principais heróis da DC Comics se enfrentam nas telonas pela primeira vez. E se Batman vs. Superman: A Origem da Justiça não decepciona no “vs.”, com boas cenas de ação, o mesmo não se pode dizer do restante do título, já que a construção dos personagens, elemento tão importante para uma história que pretende ser a origem de algo, é o ponto mais fraco de um roteiro sofrível.
Os créditos iniciais trazem a decisão acertada de poupar tempo do espectador mostrando a origem de Batman com o assassinato de seus pais (aliás, fica a dica para a Marvel: ninguém aguenta mais ver o tio Ben morrer). No entanto, ao decorrer da projeção, percebemos que a estratégia é utilizada para tudo. Até mesmo cenas que mereciam maior profundidade são contadas de maneira episódica, fazendo do longa um excelente piloto de série (o que ele não é, infelizmente).
E por que um filme que narra tudo de maneira episódica, sem se aprofundar em nenhum personagem, tem duas horas e meia? Vamos à sinopse:
Vemos a luta entre Superman e Zod (que marca o final de O Homem de Aço) do ponto de vista de Bruce Wayne, que, ao ver Metropolis ser destruída junto a milhares de vidas inocentes decide que seu novo objetivo de vida é dar fim aos superpoderes do alienígena de capa. Lex Luthor, o outro excêntrico milionário da história, tem o mesmo objetivo e manipula a todos para conseguir uma pedra verde capaz de enfraquecer Superman, que, por sua vez, tem uma Senadora no seu pé por ter se envolvido em uma emboscada cheia de assassinatos no deserto (como se não fosse suficiente ter sido um dos responsáveis pela destruição de uma mega cidade).
Ele se envolveu nessa emboscada para salvar a Lois Lane, que busca redimi-lo ao investigar a origem de uma bala (?). Lembrando que os namorados ainda têm que lidar com a pressão de resgatar o bom jornalismo de um editor caça-níquel. No meio dessa história também tem um Alfred deslocado tentando colocar juízo na cabeça de Wayne; Wallace Keefe, um cidadão revoltado sem utilidade para a trama; e Diana Prince, uma super-heroína que só quer ter uma foto de volta, mas acaba sendo envolvida na luta toda desse povo que claramente precisa de umas sessões de terapia.
O roteiro desastroso e cheio de clichês vazios de Chris Terrio e David Goyer é o principal culpado pela grande onda de críticas negativas que o filme recebe. Ao encher a história de subtramas desnecessárias, o longa se perde no que deveria ser mais importante: o desenvolvimento dos personagens. Some a isso a tentativa vã de discutir temas complexos, que se torna contraditória quando fica óbvio no terceiro ato que o interesse maior de Snyder é entregar cenas de ação. O resultado é um apanhado de heróis e vilões que não possuem motivações convincentes para suas ações.
A falta de motivação mais incômoda é, sem dúvida, do Lex Luthor interpretado por Jesse Eisenberg, que parece nunca abandonar a persona de menino mimado que fala muito rápido. Torna-se complicado para o público entender porque um personagem que aparece sem nenhuma base bem estabelecida comete tamanhas atrocidades. E se o Superman é um dos personagens mais complexos do filme, isso se deve ao próprio personagem e aos dilemas pessoais que enfrenta e não à atuação bastante limitada de Henry Cavill (que, no entanto, frita um ovo sem camisa como ninguém).
Amy Adams e Holly Hunter fazem o que podem com os papéis de coadjuvantes que tentam fazer a coisa certa com diálogos fracos e Laurence Fishburne, que aparentemente deveria ser o alívio cômico em um filme tão desnecessariamente sério, não tem graça alguma na forçada de barra que é a crítica ao jornalismo sensacionalista do longa.
Eu não falei nada sobre a Mulher Maravilha, né? Pois é, o filme também não (mas Gal Gadot parece dar o seu melhor em seu pouco tempo de tela). E se o Alfred de Michael Caine roubava a cena na trilogia do Nolan, o mesmo não ocorre com o sempre excelente Jeremy Irons, que parece não tido muita opção além de ligar o piloto automático.
E aí você vê que seu filme tem atuações apenas medianas quando o destaque é o Ben Affleck. O ator, que fisicamente é o mais semelhante com o Batman dos quadrinhos, se encaixa perfeitamente no papel de um herói que já está exausto de suas duas décadas de luta vã contra o crime. Batman matou o Bruce Wayne que ainda existia naquele homem, e Affleck incorpora bem o desespero silencioso do personagem ao notar que o resta de sua personalidade está perdendo a razão de existência. Sendo assim, é tocante ver a expressão de angústia de Wayne ao ter que deixar a roupa de vigilante em casa.
A trilha de Hans Zimmer é bastante eficiente para estabelecer cada personagem e montar a composição da Liga da Justiça. A fotografia de Larry Fong não traz nada de novo e se o contraste entre a luz (Superman) e a escuridão (Batman) é o seu maior acerto, por vezes o artifício torna-se excessivo (especialmente na escuridão exagerada que torna algumas cenas incompreensíveis no 3D).
Algumas marcas registradas de Snyder, como o uso de slow motion, estão presentes na direção, embora este seja um de seus filmes menos autorais. Mas é na condução das cenas de luta que o diretor mais acerta, especialmente naquela que envolve a invasão de um prédio e o embate entre os dois heróis (está no título, não é spoiler). A condução permite ao público se situar bem no que está acontecendo e fica difícil não vibrar ao ver heróis que nos são tão especiais entrando em ação.
Cabe-nos imaginar que se tentasse manter o foco nos personagens principais, desenvolvê-los e entregasse um filme com estas mesmas cenas de ação (com bases melhor estabelecidas) talvez o meme do Sad Affleck não existisse.
Complementando essa crítica, o videocast abaixo tem o objetivo de discutir mais profundamente os personagens, o desenvolvimento da trama e o universo em que ela está inserida. No entanto, como isso inevitavelmente envolve MUITO SPOILERS, ele não é nada recomendado para quem ainda não viu o filme. Para quem viu, convido para assistirem e continuar a discussão nos comentários: