Crítica: 9 ½ Semanas de Amor (1986)

9 ½ Semanas de Amor Critica

DESCONFIO QUE AS MAMÃES QUE TRANSFORMARAM 50 TONS DE CINZA EM BEST SELLER não sejam cinéfilas. Se forem, devem ter amnésia ou extremo mau gosto (o que é óbvio, se considerarmos o material que andam lendo). Incrível como um único filme é capaz de captar toda a essência do que é um relacionamento BDSM real e ao mesmo tempo contar uma bela história de amor. Esse é o caso de 9 ½ Semanas de Amor, de Adrian Lyne.

A tendência é observar e analisar a obra através da perspectiva da personagem de Kim Basinger, que é a protagonista e quem se envolve numa relação intensa demais para que ela consiga sustentar. No entanto, do outro lado existe uma pessoa incapaz de se saciar ou se permitir sensações comuns para a grande maioria das pessoas. Se para ela é um pesadelo a ideia de imaginar um casamento inteiro baseado em loucuras e jogos sexuais, para ele é um inferno na terra ter a certeza que precisa sempre viver no limite para conseguir sentir alguma coisa.

John (Mickey Rourke) é tudo que Christian Grey, de 50 Tons de Cinza, deveria ser e não é. Ele só existe quando Elizabeth (Basinger) está em cena. Suas cenas sempre mostram a mesma expressão facial: um sorriso enigmático e um olhar confiante de quem tem tudo sob o seu controle. Não é por acaso que ele é um bem sucedido executivo de Wall Street. Isso funciona muito bem porque entendemos que o magnetismo do personagem está no mistério em torno dele. Não ter ideia de quem ele é, do que pensa ou gosta é assustador, ao mesmo tempo que é excitante. John diz em determinado momento que não está a fim de dividir Liz com outras pessoas e mostra o seu lado controlador ao revelar sua vontade de tratar da nova namorada como se fosse o seu troféu mais precioso.

Se envolver com uma pessoa desconhecida (considerando que todos seremos eternos enigmas uns para os outros) é sempre entrar numa espiral de confiança e entrega. O problema é quando descobrimos que a pessoa é diferente demais daquilo que nós somos ou queremos para a vida. No caso de John, ele é um adulto “estragado” emocionalmente. Isso fica explícito na cena final, quando ele inicia uma contagem solitária achando que Elizabeth voltaria, que o fim era parte do jogo. Essa é a cena mais bonita e triste de 9 ½ Semanas de Amor. O rompimento com quem ele finalmente conseguiu estabelecer uma conexão, falar de sua família e do que sente machuca até na alma dos espectadores (e por isso que decidi escrever a partir da sua perspectiva. Maioria esmagadora dos reviews do filme se concentram na famosa cena do striptease com “You Can Leave Your Hat On”, a cena brega deles no chão da cozinha provando alimentos, o desejo sexual louco que faz Liz se tocar em pleno expediente – adoro a simulação do orgasmo a partir da velocidade em que o projetor vai trocando de imagens – e deixam de comentar sobre o desenvolvimento do personagem masculino).

Lamentável que 50 Tons de Cinza seja o grande embaixador pop da cultura BDSM quando se existem exemplos bem melhores para serem homenageados, como 9 ½ Semanas de Amor, Secretária (que dizem ter servido de influência para a autora do pornô da mamãe), Crash – Estranhos Prazeres, A Professora de Piano etc. O romance de de 50 Tons é apenas uma ideia vaga, e as pessoas possuem uma predisposição maior a dizer que gostam de algo antes mesmo de conhecer de verdade.

9 ½ Semanas de Amor é uma obra obrigatória na filmografia de Adrian Lyne e de todos os espectadores interessados em histórias de amor que queimam intensamente antes do fim. Não existe uma preocupação com final feliz, existe apenas a vontade de contar a história de um amor arrebatador e intenso demais para que pudesse durar mais tempo. Uma das coisas mais sensuais a que já assisti, definitivamente.