DESCONFIO QUE AS MAMÃES QUE TRANSFORMARAM 50 TONS DE CINZA EM BEST SELLER não sejam cinéfilas. Se forem, devem ter amnésia ou extremo mau gosto (o que é óbvio, se considerarmos o material que andam lendo). Incrível como um único filme é capaz de captar toda a essência do que é um relacionamento BDSM real e ao mesmo tempo contar uma bela história de amor. Esse é o caso de 9 ½ Semanas de Amor, de Adrian Lyne.
A tendência é observar e analisar a obra através da perspectiva da personagem de Kim Basinger, que é a protagonista e quem se envolve numa relação intensa demais para que ela consiga sustentar. No entanto, do outro lado existe uma pessoa incapaz de se saciar ou se permitir sensações comuns para a grande maioria das pessoas. Se para ela é um pesadelo a ideia de imaginar um casamento inteiro baseado em loucuras e jogos sexuais, para ele é um inferno na terra ter a certeza que precisa sempre viver no limite para conseguir sentir alguma coisa.
John (Mickey Rourke) é tudo que Christian Grey, de 50 Tons de Cinza, deveria ser e não é. Ele só existe quando Elizabeth (Basinger) está em cena. Suas cenas sempre mostram a mesma expressão facial: um sorriso enigmático e um olhar confiante de quem tem tudo sob o seu controle. Não é por acaso que ele é um bem sucedido executivo de Wall Street. Isso funciona muito bem porque entendemos que o magnetismo do personagem está no mistério em torno dele. Não ter ideia de quem ele é, do que pensa ou gosta é assustador, ao mesmo tempo que é excitante. John diz em determinado momento que não está a fim de dividir Liz com outras pessoas e mostra o seu lado controlador ao revelar sua vontade de tratar da nova namorada como se fosse o seu troféu mais precioso.
Se envolver com uma pessoa desconhecida (considerando que todos seremos eternos enigmas uns para os outros) é sempre entrar numa espiral de confiança e entrega. O problema é quando descobrimos que a pessoa é diferente demais daquilo que nós somos ou queremos para a vida. No caso de John, ele é um adulto “estragado” emocionalmente. Isso fica explícito na cena final, quando ele inicia uma contagem solitária achando que Elizabeth voltaria, que o fim era parte do jogo. Essa é a cena mais bonita e triste de 9 ½ Semanas de Amor. O rompimento com quem ele finalmente conseguiu estabelecer uma conexão, falar de sua família e do que sente machuca até na alma dos espectadores (e por isso que decidi escrever a partir da sua perspectiva. Maioria esmagadora dos reviews do filme se concentram na famosa cena do striptease com “You Can Leave Your Hat On”, a cena brega deles no chão da cozinha provando alimentos, o desejo sexual louco que faz Liz se tocar em pleno expediente – adoro a simulação do orgasmo a partir da velocidade em que o projetor vai trocando de imagens – e deixam de comentar sobre o desenvolvimento do personagem masculino).
Lamentável que 50 Tons de Cinza seja o grande embaixador pop da cultura BDSM quando se existem exemplos bem melhores para serem homenageados, como 9 ½ Semanas de Amor, Secretária (que dizem ter servido de influência para a autora do pornô da mamãe), Crash – Estranhos Prazeres, A Professora de Piano etc. O romance de de 50 Tons é apenas uma ideia vaga, e as pessoas possuem uma predisposição maior a dizer que gostam de algo antes mesmo de conhecer de verdade.
9 ½ Semanas de Amor é uma obra obrigatória na filmografia de Adrian Lyne e de todos os espectadores interessados em histórias de amor que queimam intensamente antes do fim. Não existe uma preocupação com final feliz, existe apenas a vontade de contar a história de um amor arrebatador e intenso demais para que pudesse durar mais tempo. Uma das coisas mais sensuais a que já assisti, definitivamente.