O CINEMA DE BUTECO ADVERTE: a crítica a seguir possui spoilers e deverá ser apreciada com moderação.
BOND. James Bond. Já ouvimos isso em mais de 20 filmes ao longo dos últimos 50 anos e nunca fica chato ou repetitivo. No entanto, quando pensamos na continuação de Operação Skyfall, de Sam Mendes, a tarefa se torna um tanto ingrata. 007 Contra Spectre (Spectre, 2015) repete o diretor, fracassa na missão de superar a obra anterior, mas acerta ao “encerrar” o incrível arco de histórias envolvendo o Bond vivido por Daniel Craig.
Impossível não comparar com Missão: Impossível – Nação Secreta, já que ambos os roteiros trabalham com um tipo de organização criminosa com poderes no mundo inteiro e se preparando para neutralizar as respectivas agências de espionagem das duas obras. Como produto de ação, cada um tem suas características pessoais e funcionam igualmente para garantir a nossa diversão. Cabe ao espectador escolher o nível de “isso não é possível de acontecer nem fodendo” que lhe agrade mais.
Essa semelhança com um blockbuster enorme lançado meses antes acaba atrapalhando 007 Contra Spectre. Ainda mais quando o vilão vivido por Christoph Waltz é surpreendentemente sem sal. Como fã do ator e acostumado a sempre encontrá-lo em desempenhos maravilhosos (vide Bastardos Inglórios e Django Livre, ambos sob direção de Quentin Tarantino), foi frustrante perceber uma atuação excessivamente frígida e sem nenhum brilho. Waltz ainda foi prejudicado por fatores externos, como o segredo guardado em relação a verdadeira identidade do vilão. Assim como aconteceu com Beneditch Cumberbatch em Além da Escuridão – Star Trek, existiam suspeitas de que Waltz seria na verdade o famoso inimigo Ernst Stavro Blofeld, que enfrentou Bond em outros seis filmes. O ator, obviamente, negou os rumores, mas mesmo assim o estrago já estava feito: não há nenhum choque no espectador para nos deixar empolgados com a revelação de tão apática é a participação do ator.
Waltz foi uma vítima infeliz da falta de vida que contamina 007 Contra Spectre. Interessante que o filme não é ruim, mas sofre especialmente pela qualidade do anterior. Operação Skyfall era mais uma obra de ação e espionagem do que um filme da série James Bond. Ele tinha vida própria e não seguia uma fórmula, ao contrário de Spectre. A direção de Mendes nos agrada visualmente no plano sequência que abre a narrativa e numa eletrizante perseguição na neve. E só. De resto, ele faz tudo que não fez no filme anterior e perde a sua identidade para revisitar o que nós já vimos em outros 20 filmes da série e aprendemos a apreciar menos depois de conhecer o Bond de Daniel Craig. É como se toda a mitologia construída nessa visão do personagem fosse ignorada e que ele se transformasse em algo estranho para aquele universo. A direção de arte se preocupa em estabelecer laços (como o buldogue de porcelana, i guess, que Bond recebe no testamento de M; ou a fita de interrogatório de Vesper), mas a sensação é de que algo está perdido e fora do seu lugar.
Possivelmente o último filme de Craig no papel do espião, a trama amarra bem os eventos de Cassino Royale, Quantum of Solace e Operação Skyfall. A junção desses elementos sendo colocados como parte de um plano maior é interessante por conseguir alcançar uma profundidade maior no desenvolvimento do personagem e tudo aquilo que ele passou desde o nosso “primeiro” encontro, em 2006, quando Bond se mostrou vulnerável como um homem normal e sofreu por amor, no caso pela personagem de Eva Green. Essa leva de quatro filmes focava no começo da carreira do espião e tentava humanizar o personagem ao máximo. Não é a toa que o Bond de Daniel Craig é o que menos transou e o que mais bebeu em cena. E esse é o principal mérito de 007 Contra Spectre: ele realmente finaliza um arco de histórias espetacular, com direito inclusive à redenção amorosa do espião. Não é nada surpreendente que ele se apaixone pela filha de um antigo inimigo e que ela se pareça um tanto com o amor de sua vida.
007 Contra Spectre funciona como exemplar de ação (sem dúvida, um dos melhores do ano), em encerrar o arco de histórias desse James Bond, mas fracassa em corresponder às nossas expectativas de ver Sam Mendes/Daniel Craig superando Operação Skyfall e ousando fugir ainda mais do estereotipo dos filmes da franquia. Aqui eles decidem seguir as regras e fazer tudo de acordo com o esperado. Já renderia uma bela produção, mas não é o que acontece quando se permite refletir e imaginar o que poderia ter sido. É uma pena que a “despedida” de Craig não faça jus ao que ele ajudou a modelar para toda uma nova geração de fãs que desconheciam James Bond ou o achavam simplesmente chato demais.