O CINEMA DE BUTECO ADVERTE: A crítica de Eu, Eu Mesmo e Irene possui spoilers e deverá ser apreciada com moderação.
BONS TEMPOS EM QUE OS IRMÃOS FARRELLY DIVIDIAM A DIREÇÃO e nenhum deles decidia se aventurar sozinho para ganhar um Oscar de Melhor Filme por uma obra nada digna de tamanho reconhecimento. Me chame de fã raiz, mas Eu, Eu Mesmo e Irene (Me, Myself and Irene, 2000) é muito melhor que Green Book e quero falar sobre isso com você.
A trama conta a história de um homem com baixa autoestima sem capacidade alguma de reagir aos insultos de outras pessoas. Chega num ponto em que ele começa a manifestar uma outra identidade, que é capaz de devolver todos os insultos apelando para violência física e moral.
Para aumentar o nível da falta de noção presente no roteiro (deliciosamente politicamente incorreto), o protagonista aceita proteger uma mulher e levá-la sã e salva para fazer um depoimento contra seu ex-namorado criminoso.
Jim Carrey ainda era considerado um dos principais nomes do cinema de comédia norte-americano em 2000. Charlie/Hank provavelmente estão entre seus personagens mais curiosos e que mostram o talento do ator com suas caras e bocas. Enquanto Charlie é a doçura encarnada, Hank exala testosterona e ausência de bom senso.
Ao lado de Carrey, Renée Zellweger vive a mocinha em apuros por ter se relacionado com o cara errado. Diante Charlie/Hank, Irene fica dividida entre gostar mais do cara educado disposto a qualquer coisa por ela ou do idiota explosivo cheio de boas intenções. Se a gente analisar o desenvolvimento da sua personagem, vamos constatar sua fraqueza e que existe praticamente para viver em torno do protagonista. Esse inclusive é um problema comum da narrativa dos Farrelly: a dificuldade em criar personagens femininas de qualidade.
O roteiro cria situações insólitas do começo ao fim: seja das estampas na camiseta do casal ou dos filhos nascidos de uma traição ou da vaquinha que sofre tentativas fracassadas de assassinato, até o tesão matinal atrapalhando o xixi de bom dia ou o consolo onipresente usado como arma. Tudo é motivo de fazer piadas grosseiras.
Talvez seja correto afirmar que a grande mensagem da obra seja sobre as consequências de aceitar tudo e qualquer coisa do mundo sem se manifestar. Essa omissão tira de nós a força para viver de forma saudável. É engraçado ver que dentro da zoeira bagaceira, os irmãos Farrelly possuem intenções nobres. É a busca pela beleza dentro do que é absolutamente tosco. Mesmo que possua passagens condenáveis, a mensagem é boa – e a jornada faz a gente refletir entre o certo e o errado das nossas próprias atitudes. Ou somos bonzinhos demais ou agressivos demais. Como equilibrar isso?
Combinando baixaria com uma pitada de um romance improvável, Eu, Eu Mesmo e Irene é diversão garantida para quem é grande fã do estilo besteirol escrachado dos diretores. Está entre meus trabalhos favoritos dessa dupla que nos fez rir tanto em Debi e Loide e O Amor é Cego.