EU NÃO GOSTO DO ADAM SANDLER. Gostei de O Paizão, pois achei que o filme não era imbecil como o resto das coisas que ele faz e que ali ele soube usar seu lado dramático ao invés de fazer baboseiras sem noção. Assisti Embriagado de Amor e fiquei feliz porque Sandler finalmente tinha feito algo que eu pudesse admirar. Só posso presumir que a causa disso é Paul Thomas Anderson, diretor capaz de arrancar de seus atores mais medíocres atuações no mínimo interessantes (vide Mark Wahlberg em Boogie Nights) e de produzir filmes que têm um teor reflexivo altíssimo, que de te deixam com a cabeça tão embaralhada quanto quando assistimos aos filmes de Michael Haneke. Adam Sandler está digníssimo de elogios e louco como nunca.
Embriagado de Amor é extremamente estressante. E não digo num mau sentido; isso é ótimo. Barry, protagonista interpretado por Sandler, é uma bola de ansiedade e o ritmo do longa – edição rápida, câmera na mão, trilha sonora irritante – evidencia o clima de angústia do filme e do personagem. Logo no início, em uma cena em minha opinião muito sombria, Barry assiste a um carro capotar na rua repentinamente. Logo depois outro veículo deixa na porta de seu estabelecimento comercial um harmônio, que ele toma para si.
Barry é ansioso, inquieto, mentalmente perturbado e obcecado com pequenas coisas. Ele possui um estabelecimento comercial que vende desentupidores de vaso sanitários além de vários outros objetos. Solitário, tem sete irmãs que você amaria detestar; sete mulheres que enchem sua paciência no que parece ser um costume de toda uma vida, ridicularizando-o e o deixando ainda mais abalado. Tem frequentes ataques de raiva, durante os quais destrói coisas (como quando quebra vidros em uma festa de suas irmãs). Barry está obcecado com uma promoção de milhagem da American Airlines em parceria com uma empresa alimentícia e por isso sai comprando pudins a valer. Ele não é normal e a narrativa do filme causa estranheza justamente porque é diretamente proporcional à sua esquisitice.
Certo dia, recortando cupons de milhagens dos alimentos, Barry vê um anúncio de telessexo. A atendente pede o número de seu cartão de crédito e de sua conta. Logo ele é atendido por uma mulher com quem conversa trivialidades e particularidades, como o fato de ser um comerciante relativamente bem-sucedido. Na manhã seguinte, começa a ser extorquido por ela. A cena mais angustiante do filme é aquela em que ele é chantageado pelo telefone no trabalho enquanto conhece a amiga de sua irmã, Lena (Emily Watson), que viu uma foto sua e se interessou. Aliás, o filme é cheio de cenas angustiantes, como a que ocorre antes do clímax do filme.
Lena e Barry, então, saem juntos para um encontro para lá de inusitado e se beijam. Entretanto, ela tem uma viagem marcada para o Havaí e só retornará em alguns dias. Ele, por outro lado, ao voltar para a casa, é sequestrado pela quadrilha e levado a um caixa rápido. Com medo de que eles retornem, e por estar no limite do estresse, ele resolve ir para o Havaí atrás de Lena. Lá o relacionamento dos dois se desenvolve.
É frustrante perceber que durante todo o processo de extorsão ele nunca chama a polícia. Fica tão envergonhado por ter ligado para o telessexo que simplesmente não procura ajuda. Aí o roteiro me irritou um pouco, pois toda a frustração do personagem começou a se transformar em certo desânimo da minha parte em assistir o filme. Mas esperem: Paul Thomas Anderson não é bobo e dá mais. Numa reviravolta impressionante, uma cena louca acontece e o protagonista se farta de tudo. É a hora da vingança, e a coisa fica ótima; hilária, até.
É interessantíssimo o uso de imagens abstratas do artista digital Jeremy Blake durante os interlúdios e conversas da quadrilha do telessexo, liderada pelo sempre incrível Philip Seymour Hoffman. Muita semiótica no filme: o harmônio, a cor do terno do protagonista, as imagens turvas dos interlúdios… Não é o melhor filme de Anderson, em minha opinião – prefiro infinitamente Sangue Negro (e ainda nem vi O Mestre!) – mas gostei demasiadamente. Pela fotografia incrível, edição impecável e roteiro maluco, o diretor demonstra que nada do que faz é de pequeno porte. Com suas tomadas lentas e longas, que exploram compridos silêncios, o filme te envolve somente com o uso de imagens potentes e assombrosas sem que seja necessário dizer uma só palavra. Anderson é um diretor diferenciado, que a cada filme nos espanta mais com seu poderoso talento e absolutamente nenhum padrão. O que esperar dele no próximo trabalho? Vai saber. É isso que faz dele um dos maiores da atualidade.
Quanto a Sandler: quisera ele tomar vergonha na cara, parar de poluir a história do cinema americano com comédias-besteirol e começar a fazer mais filmes como esse. Talvez ele tivesse uma chance de ganhar meu respeito… se ele quisesse.
Título original: Punch-Drunk Love
Direção: Paul Thomas Anderson
Produção: Paul Thomas Anderson, Daniel Lupi e JoAnne Sellar
Roteiro: Paul Thomas Anderson
Elenco: Adam Sandler, Emily Watson, Philip Seymour Hoffman, Mary Lynn Rajskub
Lançamento: 2002
Nota:[quatro ]