por Julie Ribeiro
“Anora” (2024), que estreia nos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (23/01), era um dos filmes mais aguardados por mim, embora não soubesse quase nada sobre ele. O último trabalho de Sean Baker ganhou a minha atenção após vencer a Palma de Ouro em Cannes no ano passado, tendo derrotado outros filmes que adorei, como “A Substância” (2024), “Emilia Pérez” (2024) e “A Semente do Fruto Sagrado” (2024). Também queria assistir à perfomance de Mikey Maddison, que vem aparecendo repetidamente nas listas de melhores atrizes na temporada de premiações estadunidense.
Mesmo tendo assistido à “Tangerina” (2015) e à “Projeto Florida” (2017), onde Baker reafirma seu cinema autoral com personagens marginalizadas pela sociedade, eu fui completamente surpreendida por “Anora”. Tendo início com algumas sequências de uma espécie de soft pornô – o que me fez ouvir no cinema, em determinada cena, “Que filme é esse?” -, a obra é divertidíssima e nos faz gargalhar durante boa parte dos seus 139 minutos, até que nos emudece.
Um dos grandes trunfos do filme é o elenco afiadíssimo (majoritariamente russo). Para além do roteiro dinâmico e com falas intensas, muito da comédia e do drama na obra se dão pelas expressões e pelo silêncio dos atores. Mas, acima de tudo, o grande mérito de “Anora” é a forte presença de sua protagonista.
Embora tenhamos excelentes perfomances no último ano, como Fernanda Torres, Demi Moore, Cynthia Erivo e Saiorse Ronan, a atuação de Madison é tão impactante que, ao final do filme, não há como não torcer para que ela não leve o Oscar pelo papel. Madison é a alma e o corpo de “Anora”, e cativa com potência, carisma, tempo de comédia e intensidade dramática, conferindo a força e a vulnerabilidade que Anora necessita. Brilhante, cheia de luz e guerreira, assim como o significado do nome da protagonista, Madison foi a aposta certeira de Baker, após assistir às suas performances coadjuvantes em “Era Uma Vez em… Hollywood” (2019) e em “Pânico” (2022).
Ao seu lado, o time de coadjuvantes compõe de forma precisa a obra, com destaque para Yura Borisov (Igor), de “Compartimento Nº 6” (2021), e Mark Eydelshteyn (Ivan), que fez o teste para o papel, totalmente nu. Com a promessa de realizar o sonho de uma prostituta em Nova York, o que nos remete imediatamente à “Uma Linda Mulher” (1990), “Anora” nos diverte, mas termina por escancarar a dura realidade como ela se mostra, sem romantizar a vida de quem tem no sexo uma forma de sobreviver.
Apesar disso, acredito que alguns russos podem não gostar do filme, e algumas pessoas podem apontar que “Anora” reproduz esteriótipos. No entanto, a meu ver, o filme utiliza de arquétipos, que não têm a ver, necessariamente, com nacionalidade. Sendo assim, Baker nos coloca diante de tipos conhecidos, como uma prostituta, um jovem herdeiro problemático, pais controladores, capangas supostamente assustadores. Apesar disso, a complexidade dos personagens, o desenvolvimento do roteiro, e todo o recheio do filme, nos mostram que estamos diante de uma obra única, avassaladora e marcante: “Anora” é uma experiência.
Vale destacar que “Anora” é o primeiro filme estadunidense a vencer a Palma de Ouro em Cannes desde A Árvore da Vida (2011).