LOPE

Nem sempre acompanho os números das bilheterias. Elas enganam muitas vezes com números e altas cifras que nem sempre representam a qualidade dos filmes, fazendo com que muitas vezes o público desatento perca a oportunidade de assistir belas obras. Acredito que este será o caso de Lope. Não é nenhum blockbuster e nem apresenta nenhum rosto famoso de Hollywood, talvez por isso sua pequena campanha de markteting não atinja grandes públicos. Mas não se deixe enganar e assista o filme se tiver a oportunidade.

Lope é uma produção de época em parceria entre Espanha e Brasil, com direção de Andrucha Waddington (Eu Tu Eles, Casa de Areia), um dos diretores brasileiros mais respeitados na atualidade. No elenco também estão os brasileiros Selton Mello (Jean Charles, Meu Nome Não é Johnny) em uma de suas piores atuações – ressaltada pelo péssimo espanhol – e Sonia Braga (O Beijo da Mulher Aranha) que faz uma rápida aparição.
O longa conta a história do poeta e dramaturgo espanhol Félix Lope de Vega, um dos mais importantes do seu tempo e um dos maiores (não só pela qualidade mas também pelo tamanho de sua obra) escritores espanhóis – vi na internet que ele também é chamado de “Shakespeare espanhol”, o que é uma tremenda bobagem comparar os dois artistas, que apesar de contemporâneos, desenvolveram sua obra em diferentes estilos. Mas vamos ao filme.
O roteiro tem o mérito de não transformar o filme em uma cinebiografia sobre Lope de Vega, mas buscar fazer um retrato do jovem escritor e sua paixão pela arte, vida e as mulheres (é claro, ou alguém já viu algum desses artistas de antigamente como partidários do celibato?). O filme se inicia com Lope voltando pobre e de forma precária da guerra contra Inglaterra; nesse momento já podemos conhecer a forte personalidade do rapaz, que se recusa a encontrar com os seus em situação tão mísera – principalmente pelo fato de suas cartas mostrarem que ele estava indo muito melhor do que a realidade – conta com ajuda de um amigo para adquirir um cavalo e roupas de nobre para encontrar (e não decepcionar) a já doente mãe, Paquita (Sônia Braga), que se mostra feliz ao encontrar o filho com tão ‘boa aparência e tão bem de vida’.
O jovem Lope (interpretado pelo argentino Alberto Ammann) é um plebeu que nos passa o ar de um inocente (e cativante) bon vivant que não se contenta com o lugar comum e quer te acesso a tudo de bom que a vida pode oferecer. Isso fica bem claro na cena onde ele faz de tudo para que a sua mãe tenha um enterro digno de rainha, mesmo que sua origem e posses não se adequasse a tal desejo. E ao ser questionado, ele responde com um enfático “Não quero ser pobre!” o que faz com que suas pequenas mentiras se mostrem de certa forma saudável, afinal quem quer possuir uma existência difícil? Lope acredita que não devemos nos contentar com aquilo que nos é imposto, afinal ‘somos o que pensamos que somos’.
Sem dinheiro Lope busca realizar seus sonhos de escritor na Madri do século XVI, e é no teatro que ele irá se realizar. É bonita a cena do seu encontro com os bastidores de um teatro local, a sequência apresenta cortes longos de câmera que nos permite perceber com calma a admiração sentida por Lope ao mesmo tempo em que captura detalhes daqueles que estavam trabalhando no local. Com uma música aconchegante e um clima extremamente intimista podemos ver a ligação que se inicia entre Lope e arte teatral.
Lope mostra seu espírito ambicioso ao conseguir um emprego de copista com Jerônimo Velázquez (Juan Diego) um mecenas e dono de um teatro. A partir desse momento sua genialidade é mostrada ao começar escrever suas primeiras peças (e as dificuldades para encená-las) e paixão pela vida e pela arte, que o tornava um ser extremamente cativamente e capaz de despertar paixões – que o diga as belas Elena Osorio (Pilar López de Ayala, indicada ao Goya de Melhor Atriz Coadjuvante) e Isabel (Leonor Watling) – ao mesmo tempo que era capaz de criar inimigos, seja pela inveja, ciúmes ou pela simples incompreensão de suas ideias. Neste momento temos uma discussão interessante entre Velázquez e Lope, onde o primeiro resiste às inovações do jovem escritor dizendo que “o publico não entenderia o novo teatro” – uma espécie de lembrete de que não devemos subestimar o público quanto a inovações de linguagem no teatro (e no cinema, porque não?)
De maneira geral, o filme é sustentado pela ótima atuação de Alberto Ammann, que interpreta um Lope apaixonante.  Há momentos no filme que podemos sentir a paixão dele enquanto escrevia suas peças e poemas, com um olhar de contemplação que poderia ser tanto para beleza da arte sendo criada quanto para a beleza das mulheres por quem ele se apaixonou. Esse olhar é bonito de se ver no cinema.
Além dos fatores técnicos do filme, como a bela fotografia que adequadamente leva sombra em momentos soturnos e melancólicos à cores mais claras e alegres de acordo com as tensões vividas na tela.  Fora o trabalho das equipes de figurino e de cenografia que conseguem recriar forma realista a Espanha do século XVI.
O desfecho do filme não é um ponto final na história de Lope de Vega, e ai entra o mérito de Andrucha Waddington que cria o retrato de um artista que acreditou na vida pela arte. Uma questão que atravessa o tempo e que a essência de tal desejo ainda seja buscado pelos gênios de cada época. Sem dúvida um ótimo filme. 
Hoje troco as caipirinhas por 3 taças e 1/2 de um bom vinho. Bebidas com gosto.