Juventude em Fúria

HESHER (Joseph Gordon-Levitt) É A ENCARNAÇÃO DO CAOS. Em suas primeiras aparições em Juventude em Fúria, sequer é possível ter certeza de que se trata de um personagem real, ao invés de uma mera visão demoníaca do perturbado garoto T.J. (Devin Brochu). Entretanto, Hesher logo se revela um ser de carne-e-osso imprevisível, anárquico e errante que, sem residência fixa ou fonte de renda e com um passado pra lá de obscuro, carrega sua afinidade pela desordem para um ambiente familiar estagnado após uma tragédia e acaba promovendo uma mudança por meios inusitados.

No filme, escrito por Brian Charles Frank, David Michôd (Reino Animal) e Spencer Susser e dirigido por este último, T.J. é um jovem introvertido que, pouco depois do falecimento da mãe em um acidente de carro, vive com o pai Paul (Rainn Wilson) e a avó (Piper Laurie) em uma casa desorganizada e escurecida por venezianas sempre fechadas, num visível contraponto ao ambiente antes claro e aconchegante vislumbrado em um flashback. Involuntariamente, o garoto acaba atraindo o misterioso metaleiro que dá nome originalmente ao filme (esqueçamos a terrível tradução brasileira), que se instala na residência e transforma a vida do garoto em um inferno ainda maior.

Tutor dos mais improváveis, Hesher impulsiona uma mudança efetiva na postura de T.J. com relação à própria vida de uma forma bastante peculiar e nada ortodoxa: quando uma discussão agressiva entre o garoto e o pai é iniciada durante um jantar (ocasião normalmente marcada pelo silêncio sepulcral), por exemplo, Hesher não toma partido de nenhum dos dois lados (embora confesse posteriormente concordar com o garoto) e sequer esconde o contentamento com a repentina instauração da desordem, já que a ocasião pode funcionar não só como uma oportunidade para T.J. abandonar sua postura passiva e se impor, mas também como um raro momento de desabafo tanto para o pai quanto para o filho. Ainda nesse sentido, ao mesmo tempo em que realiza uma fantasia íntima do garoto ao incendiar o carro de um valentão do colégio (embora T.J. tente impedi-lo de cometer a transgressão), Hesher o abandona no local para experimentar o temor pela consequência de atos como esse – uma atitude que, embora extrema e sociopata, não deixa de ter um cunho educativo.

Mesmo assim, analisada por um prisma lógico, a permanência de Hesher na residência é deveras absurda – e embora a inércia de Paul seja obviamente um dos temas do filme, é inexplicável que, depois de um primeiro momento, o homem nunca volte a questionar a estadia do forasteiro na residência. Ainda nesse sentido, tanto a amizade de T.J. com a caixa de supermercado Nicole (Natalie Portman) quanto a atração da mulher pelo metaleiro soam forçadas, já que as circunstâncias normalmente apontariam para direções exatamente contrárias.

Mas o que realmente importa é que, através do caos e a duras penas, as vidas de T.J. e Paul dão uma guinada providencial: nas imediações do desfecho, o mais velho finalmente faz a barba (símbolo máximo de sua inação), recupera a força de vontade e volta a assumir o comando do lar, enquanto o mais novo, agora mais corajoso e menos impassível, parece estar bem encaminhado no processo de superação da morte da mãe após deixar de lado a culpa pelo acidente (o que naturalmente torna o plano final do filme tão tolo). Hesher de fato passou por ali e deixou (literalmente) a sua marca – e aqui me refiro especificamente ao personagem, já que o filme em si deixa um pouco a desejar.

Título original: Hesher
Direção: Spencer Susser
Roteiro: Spencer Susser & David Michôd
Elenco: Devin Brochu, Joseph Gordon-Levitt, Rainn Wilson, Piper Laurie, Natalie Portman, Brendan Hill, John Carroll Lynch.
Nota:[duasemeia]