Cría Cuervos

De Carlos Saura. Com Geraldine Chaplin, Mónica Randall, Florinda Chico, Ana Torrent

O universo infantil poucas vezes foi tão bem retratado quanto em Cria Cuervos, (talvez em Fanny e Alexander, de Bergman). De uma forma melancólica e nada convencional diga-se de passagem, mas extremamente verdadeira. É na infância que nossas personalidades se formam e se consolidam, dependendo das experiências vividas. A infância de Ana (a bela Geraldine Chaplin, filha dele mesmo!) a protagonista da história talvez tenha sido traumática (“Não entendo por que dizem que a infância é a época mais feliz da vida de alguém”, ela diz em determinado momento do filme). Se isso teve conseqüências negativas em sua vida, nunca saberemos afinal toda a história é um grande flashback, um retorno a esse período da vida da moça evocado em meio a fotografias e músicas, que marcam e que ficam com o tempo.

Quando criança Ana (Ana Torrent) presencia o definhar de sua mãe Maria (também vivida por Geraldine) devido a uma doença dolorosa, e o descaso de seu pai (que de tão ausente nem sabemos o nome) que morre na cama com a amante, amiga da família. Quando isto acontece, ela e suas irmãs Maite e Irene, ficam sob a tutela de sua tia, rígida mas carinhosa. Tudo isto acontece diante dos olhos quase enigmáticos da garota. Nunca se sabe se ela é uma criança realmente feliz. É estranha, por exemplo, essa relação que ela acaba desenvolvendo com a morte: apesar de sofrer pela perda da mãe e do bichinho de estimação (é linda a cena do sepultamento do ratinho!), ela não pensa duas vezes antes de dar o tal “veneno que mata até elefantes” para a avó inválida e para a tia.

É interessante também o vaivém da história: o tempo não é linear, assim como não é o tempo das memórias… Como no momento em que vemos a “lembrança feliz” de Ana, o fim de semana em família: se primeiro vemos uma viagem que ocorreu depois da morte do pai, logo somos transportados para uma outra ocasião em que ela estava no mesmo lugar, embora acompanhada de seus pais já falecidos… Sem avisos, sem cortes bruscos… É como se as lembranças desse lugar, embora diferentes não fossem distintas na cabeça de Ana, já com 20 anos, agora capaz de assimilar os acontecimentos.

Impossível não ficar cantando a musiquinha que Ana tanto gosta, Porque te vas, no fim do filme. Assista e se emocione com a bela história dessa linda garotinha, que ganhou o prêmio do Júri em Cannes naquele ano, e foi indicado ao Globo de Ouro de filme estrangeiro. Boa oportunidade também para conhecer outra faceta de Carlos Saura, mais conhecido por dirigir filmes musicais.