ALGUMAS PRODUÇÕES MARCAM A GENTE DE UM JEITO INEXPLICÁVEL. Donnie Darko é um destes casos. O longa-metragem dirigido pelo autêntico one hit wonder Richard Kelly em 2001 é lembrado até hoje como uma das obras mais marcantes dos anos 2000 e um “clássico” do cinema moderno, mas o que torna o filme tão especial assim?
A trama apresenta esse adolescente problemático que começa a ter estranhas visões de um coelho gigante que o estimula a cometer uma série de pequenos crimes desde que escapou da morte depois de um estranho acidente.
Imediatamente, ao som de “The Killing Moon”, de Echo and the Bunnymen, o telespectador compreende o ambiente em que a história acontece: temos uma família dos anos 1980 num típico subúrbio norte-americano. A câmera lenta nos faz imaginar que eles são felizes, mas existe um traço melancólico (e até falso) sobre essa suposta alegria. Será que eles não estão apenas vivendo como máquinas sem ter o menor tesão pela vida? (Detalhe: perceberam que a mãe de Donnie está lendo A Coisa, de Stephen King?)
A família Darko é desestruturada: Donnie é maluco e com sérios problemas psicológicos, mas a sua mãe é uma pessoa completamente desprovida de calor e atitude. Ela é passiva diante tudo que acontece ao seu redor. Já o pai é um homem de bom coração, ainda que isso signifique que não seja lá tão inteligente. Donnie ainda tem duas irmãs: Elizabeth (Maggie Gyllenhaal, que também é irmã de Jake na vida real) e Samantha (Daveigh Chase, que viria a estrelar a péssima continuação S. Darko em 2009) também sofrem com o comportamento inadequado dos pais.
Além de Jake e Maggie Gyllenhaal, o elenco ainda tem Drew Barrymore (como uma professora que representa um sopro de esperança para os alunos não se tornarem pessoas vazias – e que acaba sendo demitida por suas boas intenções), Patrick Swayze (interpretando um curioso personagem com uma vida dupla surpreendente), Seth Rogen (ainda inexperiente e interpretando o capanga de um aluno metido a besta), Holmes Osborne e Mary McDonnell (sensacional na pele de Rose, a mãe de Donnie). Richard Kelly conseguiu tirar o melhor de seu elenco, mas sem que nenhum ator/atriz conseguisse roubar o foco da loucura complicada que é o seu roteiro.
Aliás, que roteiro! Além de brincar com cultura pop nos momentos certos (como não rir da infame teoria da Smurfete ou se arrepiar com “Love Will Tear Us Apart” na cena da festa?), Kelly escreveu um material inteligente cheio de frases de efeito (“Por que você usa essa fantasia idiota de coelho?” / “E por que você usa essa fantasia estúpida de homem?”) e que possibilita as mais variadas interpretações. Eu gosto de imaginar que Donnie Darko não passa de um flerte adolescente com o sci-fi: é a história de um jovem depressivo que usa a sua criatividade como refúgio seguro diante a sua lamentável realidade e a certeza de que nada nunca será diferente? Donnie encara o coelho gigante como uma chance de imaginar as “aventuras” mais inesperadas até que finalmente encontra o descanso na morte.
Um outro ponto interessante do longa-metragem é a sua trilha sonora inspirada, que rendeu até um post especial aqui no Cinema de Buteco. Com muitos clássicos dos anos 1980, as canções são escolhidas a dedo para fortalecer esse clima de apatia e conformismo que o filme tanto tenta transmitir para seus espectadores. Destaque para a faixa “Mad World”, numa releitura linda de Gary Jules, que fica responsável de encerrar o filme.
Donnie Darko é recomendado para cinéfilos entusiasmados com histórias sobre viagem no tempo sem que isso signifique realmente um mergulho profundo em teorias sci-fi e/ou outras loucuras do gênero. Para uma obra que fala tanto sobre o inconformismo adolescente e sua vontade de encontrar o seu valor, o conceito sci-fi parece até como uma grande “viagem” de alguém maluco (ou que abusou das drogas). Ou de um adolescente entediado como qualquer outro.