“NÓS VIVEMOS EM UMA CAIXA DE ESPAÇO E TEMPO. Filmes são janelas nessas paredes”. Roger Ebert
Os documentários, acima de todos os outros gêneros (se é que documentário pode ser considerado gênero), são as janelas que nos permitem ver o que há de mais real nas outras caixas.
Sentir as dores, alegrias e expressões da alma das outras pessoas faz parte daquele tipo de catarse que nos torna melhores, mais tolerantes ao menos. Para homenagear os grandes cineastas que nos proporcionaram isso neste ano, elaboramos a retrospectiva com os melhores documentários de 2014. Confira:
O Sal da Terra, de Wim Wenders e Juliano Ribeiro Salgado
De Buena Vista Social Club a Pina, Wim Wenders já demonstrou que sabe retratar bem a história dos artistas reais, colocando sua sensibilidade autoral sem nunca desrespeitar a sensibilidade do retratado.
Para documentar o fotógrafo mineiro Sebastião Salgado, Wenders convocou o filho deste (Juliano Salgado) como codiretor – que dá ao filme uma dimensão da vida do artista dedicada ao seu trabalho, com projetos fotográficos que implicavam em uma década longe de casa.
Os diretores demonstram os grandes projetos sociais aos quais o fotógrafo se dedicou (e captou tão maravilhosamente bem) se valendo do estilo de Salgado na fotografia, empregando bem o contraste entre a cor e o preto branco e o respeito aos planos longos, de reflexão do que está sendo visto.
O resultado fez a dupla ser ovacionada no Festival de Cannes, de onde saiu com o prêmio especial do júri da mostra Um Certo Olhar, além de ser um dos pré-selecionados para o próximo Oscar. O filme estreou no Brasil no Festival do Rio deste ano, mas ainda não tem previsão de lançamento comercial.
Larissa PadronLife Itself – A Vida de Roger Ebert, de Steve James
“Roger Ebert entrou para a história como o crítico de cinema que falava de Bergman a Spielberg quase que com a mesma simplicidade de seus leitores; que conquistou também a internet, com um dos melhores sites de cinema do mundo e com uma presença marcante no Twitter e no Facebook; que ganhou um Pulitzer como crítico de cinema, um feito raro; que marcou a TV ao lado de Gene Siskel com seus polegares pra cima e decorou pôsteres de filmes com seus ‘joinhas’; e se tornou um dos mais prolíficos críticos na ativa – dos mais de 10 mil filmes que assistiu, resenhou cerca de 6 mil deles.
É por isso que Life Itself não é sobre um homem doente em seus momentos finais – ou pelo menos, não apenas sobre isso. É sobre o amor pelo cinema, pelas histórias e pelas palavras. Se o espectador não consegue se relacionar com sua condição de saúde e com suas conquistas, certamente se identifica com a paixão pela magia que acontece ali, naquela sala escura”.
O filme, que é um dos pré-candidatos ao Oscar na categoria, estreou no Brasil no Festival do Rio deste ano, mas ainda não tem previsão de lançamento comercial.
Nathália PandelóO Mercado de Notícias, de Jorge Furtado
“Em O Mercado de Notícias, seu novo documentário, Furtado convida alguns dos jornalistas mais iluminados do país para falar de como sua amada profissão tem sido profanada como nunca por nossa imprensa desonesta e corrompidamente comprometida com uma visão política alinhada com os interesses da Elite Branca.
O Mercado de Notícias é um doc mais essencial em ano de eleição, quando cabe ao eleitor questionar o que lê, ouve e vê a fim de fazer valer a sua vontade nas urnas”.
O filme estreou no Brasil em agosto.
João Marcos FloresCássia, de Paulo Henrique Fontenelle
“Cássia é um raro documentário em que o fato de sua protagonista ter falecido há pouco tempo funciona a seu favor. Afinal de contas, a maior parte do seu público ainda tem bem nítida em sua mente a imagem da roqueira rebelde, agressiva, desbocada e “machona” que dominou os programas de TV, clipes da MTV, capas de revista e, claro, paradas de sucesso nas rádios brasileiras no final da década de 90 e início da de 00 – e é justamente por se aproveitar dessa persona pública de sua documentada e virá-la ao avesso, apresentando a mulher doce, companheira e bem humorada que ela era na vida pessoal, que o cineasta Paulo Henrique Fontenelle (dos igualmente magníficos Loki: Arnaldo Baptista e Dossiê Jango) cria uma obra bela e tocante como esta.
Dando vida às imagens de arquivo ao utilizá-las de maneira inventiva e dinâmica através de zooms, efeitos que criam “camadas” dentro das fotografias e trucagens visuais das mais variadas, Paulo Henrique Fontenelle apresenta em Cássia uma personagem contraditória, complexa e humana que, apesar de nos fazer voltar a lamentar a perda de uma artista magnífica, o coloca muito próximo de se tornar não apenas um dos melhores, mas o melhor documentarista de sua geração”.
Cássia foi exibido na Mostra de São Paulo e chega comercialmente aos cinemas no dia 22 de janeiro de 2015.
João Marcos Flores