De Jean-Luc Godard. Com os Rolling Stones, Sean Lynch, Anne Wiazemsky
Confesso que tenho alguns problemas com Godard, e todo contato com seu cinema me faz parecer um analfabeto cinematográfico. Suas opções denotam certa erudição que infelizmente ainda não possuo. Mais que isso: uma familiaridade com este engajamento tão característico do diretor, e que está presente em grande parte de sua produção. O que me confunde em Godard is the nature of his game.
Pensando no conjunto de sua obra (pelo menos nos poucos filmes que vi de Godard), One Plus One: Simpathy for the Devil não é tão inacessível quanto um Elogio do Amor, mas também não é o fácil e sensacional Acossado. É mais uma vez o Godard de sempre: aquilo que parece ser sua proposta inicial é apenas uma pequena parte do todo. Neste caso, o registro da gravação de Sympathy for the Devil para o Beggars Banquet, lançado pelos Stones em 1968 serve de pretexto para falar de contracultura, resistência e da possibilidade da revolução através de manifestações culturais.
Há uma sobreposição de realidades (dialética marxista?), e o resultado nunca é claro o bastante. Godard fala nas entrelinhas e o filme se torna o meio para que suas idéias sobre uma espécie de “reforma” do cinema sejam veiculadas. Assim como o rock dos Rolling Stones, sempre mais sujo se comparado ao “bom-mocismo” dos Beatles, já era hora do cinema perder sua inocência e voltar seu olhar para a realidade. O rock (segundo teoriza Godard) ainda está impregnado por uma preguiça e uma estupidez típicas do pop (“qualquer branco que nunca vai ao cabeleireiro e que é gay pode formar um grupo de pop”). Mas a letra de Sympathy for the Devil é alusiva ao desejo, ao fetichismo, à tudo aquilo que a cultura ocidental condena, ao mesmo tempo que celebra. É como se o trágico e o cômico, o sagrado e o profano se confundissem. O mau é necessário, próprio da sociedade capitalista sem o quê ela não sobreviveria. E esta participação de todos nesta maldade generalizada, que move porque dá motivos para separar, para categorizar, é que é referenciada na canção dos Stones. Não há inocência alguma na música daqueles jovens de 20 e poucos anos. Já é hora de o cinema adotar a mesma postura: é o que está dizendo Godard, quando sai do estúdio de gravação e “encena” momentos em que fala sobre a necessidade de uma desculturalização.
“Um homem de cultura está tão longe da arte, quanto um historiador da ação? Sim”. O intelectual está um passo depois daquele que produz arte. O máximo que ele pode fazer é analisar, sem produzir de fato, sem tomar partido. O movimento revolucionário ideal para Godard é aquele que consegue ser consistente e ao mesmo tempo livre de amarras culturais – autônomo. As cenas em que entrevistas são simuladas demonstram isso: falta consistência onde há engajamento.
One Plus One: Sympathy for the Devil faz parte de uma série de filmes feitos depois da fundação do grupo Dziga Vertov, que Godard idealizou para a criação de um cinema político. É o resultado final de um filme editado por produtores (o tal documentário sobre os Rolling Stones) e o manifesto/teoria política que Godard pretendia fazer. Não decepciona por aquilo que inevitavelmente é um registro histórico do rock. As cenas são bem filmadas e a câmera é sempre discreta, quase imperceptível aos olhos da banda. É incrível como ela passeia pelo estúdio, flagra e revela a concepção e nascimento de um dos clássicos da história do rock mundial (destaque para a cena do coro: “woo woo!”). A mesma discrição é usada nas cenas externas, como se registrasse momentos espontâneos de pessoas/movimentos se fazendo ouvir. É um filme que deve ser visto, por fãs de Godard, fãs de Rolling Stones, e por fãs de cinema.