Do Começo ao Fim

De Aluizio Abranches. Com Fábio Assunção, Julia Lemmertz, Jean-Pierre Noher, Lucas Cotrim, João Gabriel Vasconcelos, Gabriel Kaufman, Rafael Cardoso

Ao final de Do Começo ao Fim a sensação que fica é bem estranha: o que é realmente este filme? De que ele busca tratar? Aonde quer chegar? Depois de pensar um pouco sobre isso (e em mais uma porção de outras coisas) a conclusão a que cheguei é: é um filme bonito, mas deixa a desejar. Não é um filme excepcional. É bom e honesto sobretudo. Explico.

A história é a de dois garotos, Francisco e Thomás, irmãos por parte de mãe, e que desde cedo desenvolvem uma ligação por demais próxima de proteção, dependência, afeto e amor. Quando se dão conta estão envolvidos de modo tal, que a entrega é inevitável e natural. Decidem assumir (principalmente para si, o que é fundamental) tal relação, difícil de descrever e entender. Afinal, seu entendimento só seria possível se o mundo virasse de cabeça para baixo, como nos diz um dos protagonistas em determinado momento do filme. Quando isto acontece, é clara e comovente a necessidade de viver esta relação integralmente, com tudo o que ela tem a oferecer. Assim como quando eram crianças, o mundo particular que criam para si lhes basta. O amor está dado, e não há alternativa senão vivê-lo. Mas estranhamente é neste ponto que o filme decepciona.

Embora seja mesmo uma bela história, não consegue ultrapassar os clichês do imaginário gay, o que impossibilita que o filme deixe de ser uma história de amor, para ser apenas uma história de amor gay. Do ponto de vista afetivo e subjetivo isso é extremamente interessante, e o resultado agrada. Mas do ponto de vista de cinema, decepciona. Não é minha intenção condenar nenhum tipo de postura e escolha cinematográfica, e um filme com temática gay tem que se assumir enquanto tal (se é que isto é um gênero de fato). Mas ultrapassar rótulos só faz enriquecer uma premissa que, mesmo guardando suas particularidades, podem falar a qualquer espectador. E mesmo esta sendo uma perspectiva possível, não é o que acontece com este filme. Uma comparação me vem à mente: a história de amor de O Segredo de Brokeback Mountain é uma história de amor universal, pois o tema é o da impossibilidade daquela relação (para além de gênero). E as particularidades da história existem para que ela seja única. E deste ponto de vista, o filme de Ang Lee e as diversas adaptações e releituras de Romeu e Julieta tratam da mesma coisa por exemplo. No caso de Do Começo ao Fim, é apenas a história de amor de Francisco e Thomás. E ponto.

Outro dado problemático é que algumas questões reais do casal não são bem tratadas, praticamente desconsideradas. O incesto é visto com assustadora naturalidade, tanto pelos dois amantes quanto pela mãe, que a tudo observa e só se preocupa em conversar sobre as possíveis escolhas sexuais dos filhos. E isso não poderia ser deixado em segundo plano. A não ser que esta tenha sido a intenção do diretor (o que nunca fica claro, pois assunto não é tratado nem a ponto de se tomar uma posição sobre ele). Outra coisa que soa um pouco estranha é a forma como se entregam àquilo tudo sem resistência ou relutância. Não existe primeira relação gay sem conflito. Muito menos quando se trata de dois irmãos (!!!!).

A trilha sonora (de Abujamra) por vezes soa incômoda e exagerada, em alguns momentos dispensável. A fotografia também poderia ter sido mais bem trabalhada e a direção de arte peca quando, ao mostrar a Buenos Aires de quinze anos atrás, mostra também carros atuais transitando pelas ruas… A narração me parece desnecessária.

Mas por outro lado há a tal honestidade da história. Pensando na forma de falar sobre a relação de amor vivida pelos dois, o filme é realmente irrepreensível. O tratamento do roteiro nos coloca frente a situações cotidianas que chegam a comover de tão belas e possíveis. Em momento algum a intenção é chocar. Nem emocionar gratuitamente. É como se o diretor nos dissesse: “eu sei que você já passou por isso um dia”. E se a cena em que se despem tem um simbolismo um pouco confuso (a possibilidade deste simbolismo se coloca quando pensamos que o acontecimento sucederia a morte da mãe), a cena seguinte, de quando se declaram pela primeira vez é belíssima. Verdadeira, sincera, dolorosa. Constatação finalmente falada. Intrigante é a veracidade das situações, que demandariam um conhecimento de causa para serem transpostas para o cinema (dada a sua especificidade, como disse anteriormente). Há a sensação de que existe certo tom autobiográfico no filme. Mesmo que num sentido apenas potencial, de história não vivida mas sonhada, desejada. Hilda Hilst, os diálogos, reações, a maneira de lidar com a sexualidade e os tabus de forma leve e descontraída… Embora grande parte disso se deva as atuações…

As atuações são reais e naturais, como não poderia deixar de ser. Mas o destaque mesmo fica para João Gabriel Vasconcelos. O filme é dele e sua entrega ao personagem, principalmente àqueles sentimentos é o que há de mais real. Amor, necessidade, distância, em todas as suas sutilezas e exageros, são colocadas de forma tão verossímil, que chega a impressionar. É mesmo alguém que ama e que vive o amor em todas as suas potencialidades (alegria e dor). Vai muito além de seus atributos físicos (o cara era modelo da Ford Models) e o que chama atenção é o personagem e não a sua beleza (pelo menos na maior parte do filme). Se há algo que pode ser o tal fator universal da história é o amor de Francisco e o seu cuidado com a figura de Thomás. Mesmo quando adultos, a sua necessidade de cuidar sem sufocar, sem o quê não saberia como demonstrar ou viver seu amor, é talvez o que haja de mais identificável no filme. Homem, mulher, independente de seus gostos já viveram aquilo.

Se o filme se chamasse Francisco e Thomás: Uma História de Amor faria mais sentido. Do Começo ao Fim é um filme que sabe onde começa, mas não sabe para onde vai. E por se prender demais neste caminho (o que não é totalmente ilegítimo), é que fica preso nele. O filme poderia ser mais. Mostrar como é uma relação gay (quando na fase boa, diga-se de passagem) não é suficiente, e mesmo que esta tenha sido a intenção, não impressionou. Foi correto e coerente. E só.