Ou um post sobre o amor. Ciúme. Dor. Raiva. E perda?
Estrelado por Nicole Kidman e Tom Cruise, que na época eram o casal mais famoso e amado do cinema, o filme De Olhos Bem Fechados também merece atenção por ter sido a última obra do diretor Stanley Kubrick antes de falecer. Em comum com seus clássicos mais antigos, temos novamente a opção por adaptar para o cinema um livro. Trata-se de História de um Sonho do escritor Arthur Schnitzler. Conforme o João havia falado em seu post sobre o filme há pouco mais de um ano, ao invés da ação se desenvolver em Viena no final do século XX, Kubrick escolheu Nova York e os tempos modernos para apresentar aquela que seria a sua despedida do cinema.
O que se pode dizer de De Olhos Bem Fechados é que trata-se de um filme difícil e que não é facilmente compreendido logo na primeira experiência. A primeira impressão é que Kubrick resolveu aproveitar o fato de que Tom Cruise e Nicole Kidman eram casados para fazer um filme erótico chique. Porém toda aquela ansiedade sexual é lentamente jogada para escanteio quando se descobre que, apesar de existirem sutis cenas de erotismo, a intenção do diretor é usar essa nossa curiosidade natural como principal inimiga e catalisadora dos rumos que a história leva.
Kubrick foi genial na construção do personagem William (Cruise), que nada mais é que o reflexo da maioria dos homens heterossexuais, seja ele tão bem sucedido ou não. Ao longo da história assistimos um pouco da rotina desse médico e em vários momentos percebemos uma leve inclinação para deixar uma coisa se tornar mais séria. William é um homem como qualquer outro e que tem que lidar com o conflito entre suas escolhas e os seus desejos naturais. Na maioria das vezes ele consegue se deixar guiar pela razão e vence os seus instintos (como na sequência em que Leelee Sobieski surge semi-nua como um vulcão sexual e proibido), mas bastou a sua amada esposa lhe confidenciar que já havia fantasiado e desejado outro homem, que toda a sua insegurança veio a tona e o toque sutil do diretor se fez valer. De repente aquele médico bem sucedido que achava que tinha a vida perfeita, foi atingido no centro do seu ego, do seu orgulho, do seu amor, da sua libido. Como encarar a verdade? Que ele, que apenas o amor, não eram o suficiente para impedir que a sua esposa tivesse desejos com outros homens? Kubrick ataca grande parte dos homens modernos, aqueles que se acham no direito de desejarem e serem desejados (mesmo que seja apenas para inflar o ego), mas que quando enxergam o outro lado da moeda entram em colapso. O diretor conseguiu construir uma atmosfera de tirar o folêgo ao mostrar os delírios de William imaginando sua esposa transando com outro homem. São cenas que aparecem em um tom azul e bastante fragmentadas, mas que avançam no decorrer do filme e das ações do personagem.
Diante o risco de ser colocado de lado, o homem treme. As velhas reflexões de Nietzsche ganham força e o amor é colocado em cheque. Será que a possibilidade de ser traído dói mais no orgulho ou no coração? Imaginar que a sua esposa vai dormir nos braços de outro homem incomoda porque você a ama ou apenas que privar-la de ter outra pessoa? No caso de William, todas essas questões surgem e são lentamente respondidas, mas assim como na vida real, deixam a margem para a eterna dúvida: será que vale a pena escolher amar alguém ao invés de ceder aos desejos? Como controlar essa força que repousa dentro de cada um de nós? A maioria dos homens que eu conheço ficariam desorientados diante uma situação dessas, que aliás se compara a um fim de namoro quando ainda existe um mínimo de esperança. Aquela constante desconfiança em saber por onde a pessoa andou, com quem ela esteve… e o que fez (ou pensou em fazer) consomem a cabeça de quem se deixa levar pelo sentimento. E vai ficando pior com o passar do tempo e a certeza de que aquela esperança é apenas mais uma expectativa frustrada que é alimentada de maneira masoquista e cruel.
E comprovando que os homens são fracos e inseguros diante uma situação dessas, bastou a mera revelação de um desejo natural da personagem Alice (Kidman), para desencadear uma sequência de acontecimentos que poderiam ter resultados mortais para William. Atordoado com o lapso de sinceridade da esposa, William caminha pela cidade durante a madrugada e acaba se envolvendo com uma prostituta. Mas antes de consumir qualquer vontade, ele acaba mudando de ideia e saindo de volta para sua casa. Por acaso, o médico reencontra um amigo e vai parar em uma seita sexual. O problema é que esse bacanal frequentado apenas por pessoas mascaradas (Kubrick mostra diversos casais transando de maneiras agressivas, o que aumentaria ainda mais a insegurança de William quanto a si mesmo) não lida bem com invasões e as coisas se complicam quando ele é desmascarado. Por sorte, o médico é salvo por uma misteriosa dançarina e sai ileso desse estranho ritual sexual, partindo direto para a sua casa.
Consumido pelo medo, o ciúme e o arrependimento (e deixando toda a raiva de lado), William acaba revelando toda a verdade para sua esposa. Mais vulnerável que nunca, como todo homem fica depois de aceitar que cometeu um erro e que teme pelo pior, William é surpreendido quando Alice diz que “é preciso saber viver por cima das traições reais… e as imaginárias” e que a coisa que eles mais precisam naquele momento, além de conversar um pouco, é de uma boa trepada. Antes porém, é preciso citar a sequência (que o João também destacou em seu post) em que William observa Alice ensinando o dever de casa para a filha do casal. Quase dá para ler a sensação de culpa e remorso escorrendo pelo rosto do personagem. Principalmente depois de um sorriso tão apaixonado, daqueles que fazem você ter quase certeza de que aquele relacionamento é para valer e que existe um chão firme para se apoiar.
De Olhos Bem Fechados é um filme forte e que ilustra quase que exatamente o que se passa na cabeça de um homem apaixonado e que não consegue se sentir equilibrado o bastante para não tomar nenhuma decisão idiota e que torne as coisas sem volta. Dificilmente vai existir uma pessoa que esteja acima das atitudes ridiculas que tomamos quando estamos apaixonados. E será impossível existir alguém que consiga ser 100% fiel e que revele exatamente tudo que se pensa ou deseja para o companheiro. Kubrick provou que o melhor remédio para um bom relacionamento é o silêncio, mas se esqueceu de ensinar como é que podemos lidar com ele mesmo. Tenho minhas dúvidas se manter os olhos fechados é mesmo a solução para um relacionamento infeliz.
Veja e reveja sempre.